Com a censura à apresentação do afoxé no carnaval de Belém de
2014, o prefeito Zenaldo Coutinho e a presidente da FUMBEL, Eliana
Jatene, expõem diretrizes racistas na gestão pública e colocam a capital
paraense na contramão da política de igualdade racial do Brasil e do
mundo.
A Prefeitura Municipal de Belém, através da FUMBEL, ignorou a presença
negra na Amazônia e neste ano de 2014 descartou a participação do
Afoxé Ita Lemi Sinavuru da abertura dos desfiles do concurso oficial de blocos e escolas de samba de Belém.
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Babá Edson Catendê, fundador, compositor e principal articulador do Afoxé Ita Lemi Sinavuru, comandando o cortejo de 2013. |
Contrariando a política pública da promoção da invisibilidade negra no
Pará por parte da prefeitura de Belém, lembramos que foi no Pará, no
município de Oriximiná, que pela primeira vez uma comunidade quilombola
recebeu o título coletivo de suas terras, no ano de 1995. E é nesse
Estado que se concentra o maior número de terras quilombolas tituladas -
já se sabe da existência de 240 comunidades quilombolas paraenses - e
acredita-se que muitas outras ainda serão identificadas
Também é pública a informação de recente pesquisa do governo federal coordenada pelo MDS (disponível no link
http://www.mds.gov.br/gestaodainformacao/disseminacao/alimento-direito-sagrado/Alimento_Direito%20Sagrado_web.pdf/view ) em que foram identificados mais de mil terreiros na zona metropolitana de Belém.
Elza Rodrigues, no artigo "Bloco Afro Axé Dudu: polêmica negritude" (disponível no link
http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PCUIRPA001990005.pdf )
nos conta que desde 1987 o carnaval de Belém é aberto por cortejos que
afirmam a identidade negra na Amazônia. Foi nesse ano que o Centro de
Estudos e Defesa do Negro no Pará/ CEDENPA fundou o "Bloco Afro Axé
Dudu", organização carnavalesca que antecedeu o Afoxé Ita Lemi Sinavuru,
e, somando os desfiles das duas agremiações, hoje essa tradição já dura
27 anos, ou um quarto de século.
Os afoxés e blocos afro já estão na memória do povo tradicional de
terreiro de matriz africana do Pará, como podemos ver no relato de Nego
Banjo, relato em que ele conta que "
das rodas de samba informais
foram formados dois afoxés (Italemi e Bandagira) que são liderados por
sacerdotes e desfilam na avenida dos festejos oficiais no período do
carnaval, somando a outro que já existia: o Bloco Afro Axé Dudu,
dirigido pelo CEDENPA. Com os Afoxés difundimos a nossa crença e visão
de mundo para além dos muros dos terreiros, e eu componho pros dois e
tem ano que ambos cantam música minha..." (Nego Banjo em entrevista à Tata Iya Tundele e Tata Kinamboji, disponível em
http://www.overmundo.com.br/overblog/entrevista-com-nego-banjo)
Como podemos perceber nos relatos e na memória do povo tradicional de terreiro de matriz africana, o
Afoxé Ita Lemi Sinavuru atua
como um instrumento de visibilidade do povo e das culturas e das
tradições afro-amazônicas, e seu desfile valoriza a luta e resistência
contra o racismo e todas as formas correlatas de preconceito,
principalmente no combate à intolerância religiosa, aglutinando todos os
adeptos das religiões de matriz africana, ameríndias e simpatizantes.
Vídeos do desfile do Afoxe Italemi Sinavuru na abertura do Carnaval de Belem 2010
O Ita Lemi tem como principal articulador o cantor e compositor Edson
Catendê. Foi fundado em 10 de janeiro de 2003 no Mansu Nangetu, a partir
de uma articulação coordenada pela Associação de Filhos e Amigos do Ilê
Axé Iyá Omi Ofá Kare/ AFAIA, Instituto das Tradições e da Cultura
Afro-brasileira/ INTECAB, e pelo Instituto Nangetu, e durante uma década
desfilou na abertura do carnaval na
Aldeia Cabana de Cultura Popular David Miguel e
nos desfiles de Icoaraci e Outeiro, marcando a presença do cortejo
alegórico afro-amazônico nas diversas passarelas do samba espalhadas
pelos distritos da capital paraense, e com ele já são dez anos
divulgando o patrimônio cultural afro-amazônico.
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Desfile do Ita Lemi Sinavuru em 2013. |
Em 2013 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas/ ONU aprovou
década intitulada "Pessoas Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e
desenvolvimento", que será celebrada de 1º de janeiro de 2015 a 31 de
dezembro de 2024 com o objetivo de aumentar a conscientização das
sociedades no combate ao preconceito, à intolerância e ao racismo. "A
resolução aprovada pede que se inicie um processo de interlocução com os
países-membros, visando discutir a implantação da década. Ela também é
importante porque dá mais visibilidade ao tema nos fóruns
internacionais, o que faz com que os países-membros da ONU comecem a dar
importância à temática", explica o assessor internacional da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), diplomata Albino
Proli. Proli destaca que a resolução também recomenda aos 192
países-membros diretrizes políticas para atender às demandas da
população negra no mundo. “A resolução reafirma os propósitos de combate
ao racismo e promoção da igualdade racial em nível mundial, já firmados
na 3ª Conferencia Mundial contra o Racismo, a Xenofobia, a
Discriminação Racial e Intolerância Correlata, que aconteceu em Durban
no ano de 2001”.
O Governo brasileiro empenhou-se diretamente no processo de negociações
que levou à proclamação da Década afro-descendente da ONU, e também em
2013 a SEPPIR-PR lançou o
Plano Nacional de Sustentabilidade de povos Tradicionais de matriz Africana, e este plano em seu primeiro objetivo. Diz: “
Promover
a valorização da ancestralidade africana e divulgar informações sobre
os povos e comunidades tradicionais de matriz africana” em iniciativas como
“Realizar Campanha Nacional de informação e valorização da ancestralidade africana no Brasil”.
Iniciativas como a do Afoxé Ita Lemi
Sinavuru se antecipam em uma década ao plano governamental e às
diretrizes da ONU, e com a censura à apresentação do afoxé no carnaval
de Belém de 2014, o prefeito Zenaldo Coutinho e a presidente da FUMBEL,
Eliana Jatene, expõem diretrizes racistas na gestão pública e colocam a
capital paraense na contramão da política de igualdade racial do Brasil e
do mundo.