Um relatório foi apresentado, nesta quarta-feira
(31/05), pela Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor da
Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) sobre intolerância
religiosa contra os povos de matriz africana. De 2015 a 2017, foram
assassinadas sete lideranças afro-religiosas no Pará, o que resultou na
criação de um grupo de trabalho para acompanhar as investigações dos
casos e em vários encaminhamentos para tentar combater o racismo
institucional e religioso no Estado. A apresentação do relatório foi
feita durante Audiência Pública que debateu a intolerância religiosa e
que foi realizada a partir de requerimento do deputado estadual Dirceu
Ten Caten (PT). A reunião foi a segunda atividade realizada na
programação da entrega da Comenda Mãe Doca, que será entregue nesta
quinta-feira (1/06). A abertura da programação foi realizada nesta
terça-feira (30/05), no hall do prédio da Alepa, com a abertura da
exposição "Imagem do Sagrado", que colocou à mostra parte dos símbolos
religiosos dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana.
O deputado Dirceu Ten Caten destacou que a programação realizada ao
longo da semana por conta da entrega da Comenda Mãe Doca é uma
iniciativa do movimento que representa povos de matriz africana. “Essa
comenda foi criada através de um requerimento de autoria da ex-deputada
Bernadete Ten Caten, com o objetivo de valorizar o trabalho das
lideranças que atuam na questão da preservação da cultura dos povos e
das religiões de matriz africana. E esse ano, o movimento resolveu
realizar uma agenda de atividades para debater várias demandas do
movimento. E este ano também tivemos a criação da Frente Parlamentar de
Combate a Intolerância Religiosa, que tem trazido à tona, entre outras
coisas, o debate dos casos de assassinatos de lideranças
afro-religiosas, por conta da intolerância religiosa. Por isso, eu
parabenizo o movimento social e as organizações que tiveram essa
iniciativa, o que é muito legal e o mandato foi apenas um condutor e um
apoiador da realização desses atos”, destacou o deputado.
Artur Leandro, que é liderança do povo tradicional banto, onde é
chamado de Tata Kinamboji, destaca que os povos tradicionais têm tido os
seus direitos atacados, inclusive com o assassinato de várias
lideranças de religiões de matriz africana. De acordo com ele, a
motivação desses crimes, que possuem características de execução, é o
racismo e a intolerância religiosa, o que não estaria sendo reconhecido e
investigado pelas autoridades policiais. “O nosso maior problema é
porque falta o elo do racismo nas investigações da polícia, que se
encerram na questão de conflito de vizinhos e ‘problema com o tráfico’.
Na realidade, não é pesquisada a questão das relações étnico-raciais que
essas lideranças assassinadas tinham com os seus assassinos, pois eles
não são desconhecidos, uma vez que briga de vizinhos é briga entre
pessoas que se conhecem, e o tráfico está presente na vida da periferia e
quem vive lá sabe quem são os traficantes, e os terreiros atendem as
famílias de traficantes. Porém, existem outras questões que estão
envolvidas nesses crimes e é por isso que estamos com representantes do
movimento no Conselho de Segurança Pública (Consep) para saber as
informações que a polícia trabalha para que a gente possa também fazer
os nossos levantamentos. Tudo para que essas investigações tenham o
olhar dos povos tradicionais porque isso está faltando nas investigações
policiais”, ressaltou Tata Kinamboji.
A liderança afro-religiosa Mãe Wanda integra o grupo de trabalho que
tem feito o acompanhamento dos assassinatos de lideranças de povos
tradicionais e religiões de matriz africana e considera importante a
programação que está sendo realizada na Alepa para debater sobre
intolerância religiosa. Ela conta que teve o filho mais novo
assassinado, aos 17 anos. “Ele foi assassinado, em 2013, e nesta
quinta-feira, 01/06, faz quatro anos de sua morte e é muito difícil para
mim falar disso porque ele era afro-religioso e desde criança sofria
preconceito e intolerância religiosa na escola, até mesmo das
professoras, e na comunidade por ser filho de mãe de santo. E o poder
público até hoje não deu uma resposta para a morte do meu filho porque
eu queria justiça. Mas como eu não consegui pessoas que testemunhassem a
meu favor, eu não consegui provar e por isso não posso afirmar que
tenha sido essa a causa, mas eu sei que ele sofreu muito preconceito ao
longo da vida dele e no dia de sua morte ele foi chamado na minha casa
para jogar bola e antes de chegar ao campo foi assassinado com um tiro”,
disse Mãe Wanda, que também tem uma filha de 23 anos. “No dia do
assassinado dele, a minha casa foi atacada por pessoas que jogaram ovos
nas paredes. Na verdade, não foi a primeira vez que a minha casa foi
atacada e eu fiz vários registros na delegacia, mas nada foi
investigado”, acrescentou a afro-religiosa.
O debate, realizado no auditório João Batista, da Alepa, também
contou com a participação de Jorge Farias, da Comissão de Defesa da
Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA),
que destacou as convenções internacionais da Organização das Nações
Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a própria
Constituição Federal, que garantem a liberdade religiosa e de culto no
país.
A Professora Joana Machado, do movimento negro também esteve presente
no debate e propôs a elaboração de um projeto de formação continuada
para professores da Rede Estadual de Ensino sobre religiões de matriz
africana para ser encaminhado à Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
“É importante descolonizar o espaço e as mentes das pessoas porque vai
completar 130 anos de uma falsa abolição e a nossa presença continua
sendo negada em muitos espaços sociais e isso precisa ser debatido na
sociedade”, destacou a professora. O debate contou também com a presença
do coordenador da Coordenação para a Promoção da Igualdade Racial
(Copir) da Seduc, Tony Vilhena; e do representante da Comissão de
Direitos Humanos e Direitos do Consumidor da Alepa, Carlos Marques, que
apresentou o relatório, além de representantes das mais diversas
religiões de matriz africana.
EXPOSIÇÃO E COMENDA - A exposição "Imagem do
Sagrado" continua aberta no hall da Alepa e faz parte da programação de
entrega da Comenda Mãe Doca, que será entregue em Sessão Solene, nesta
quinta-feira (01/06), no plenário da Alepa, a partir das 10h. A comenda
Mãe Doca faz referência a uma importante liderança afro-religiosa,
reconhecida como a primeira mulher a tocar tambor no Pará. Na Sessão
Solene, várias lideranças e personalidades do movimento negro receberão a
comenda.
Texto: Avelina Castro
ASSESSORIA DE IMPRENSA E DIVULGAÇÃO