A última pesquisa Datafolha sobre a influência de líderes religiosos na
política revela: os fiéis não devem ser tratados como um grupo
monolítico
A última pesquisa do Instituto Datafolha, destacada na primeira página da Folha de S. Paulo em 23 de outubro, revela aspectos interessantes para se discutir a relação entre religião e política no Brasil.
O primeiro mostra que somente uma pequena parcela dos brasileiros, 19%, leva em conta a opinião de seus líderes religiosos quando estes fazem campanha por algum candidato. Entre os evangélicos, 26% dizem considerar esta orientação. O índice sobe para 31% entre fiéis neopentecostais. Entre os católicos, a taxa é de 17%, um pouco abaixo da média. Apenas 9% dos entrevistados disseram já ter votado em alguém indicado por líderes da igreja.
O segundo aspecto da pesquisa foi o levantamento de votos para presidente da República em 2018. Foram apresentados alguns cenários com nomes que frequentam o noticiário político, como o ex-presidente Lula, o prefeito de São Paulo João Doria e o deputado federal Jair Bolsonaro.
Leia Mais:
A "abençoada" despolítica da fome
Religião, arte e liberdade
Não vamos discutir aqui o teor do texto da Folha que trata destes números, pois, a meu ver, é espúrio do ponto de vista da ética jornalística. Ele traz uma manchete (“Evangélicos derrubam Lula”) que não corresponde àquilo que os números da própria pesquisa mostram (o ex-presidente lidera em todos os cenários nos quais é incluído).
O que nos interessa é que o ex-presidente Lula, do PT, lidera o principal cenário entre os eleitores evangélicos, com 32% de preferência. Marina Silva, da Rede, evangélica, ficaria em terceiro com 17%, atrás do deputado Jair Bolsonaro, do PSC, que levaria 21% dos votos.
A pesquisa ainda mostra que 66% dos evangélicos não têm preferência partidária (número maior do que a média nacional, de 59%). Entre aqueles que têm, o PT é o partido preferido, com 18%. Com números bem menores aparecem os outros dois favoritos, o PSDB com 4% e o PMDB com 3%. Estes índices correspondem à última pesquisa geral com eleitores do Datafolha.
A pesquisa reafirma algo em que insisto aqui nos textos desta coluna: que ao nos referirmos a "evangélicos" não tratamos de um grupo monolítico, único, coeso. É uma teia formada pelos mais variados fios, que representam teologias, práticas, costumes, visões de mundo, estruturas organizacionais as mais diversas.
Portanto, é um grande equívoco (quando não má-fé para conduzir campanhas oportunistas) falar de "voto evangélico" em geral ou de um apoio político único dos evangélicos. Isso não existe. São cidadãos autônomos que decidem pelo voto, fundamentalmente, de acordo com suas preferências. As duas eleições que alçaram Dilma Rousseff à Presidência da República são fortes exemplos. Se correspondessem àquilo que bradavam líderes em evidência no cenário religioso, Dilma não teria recebido tantos votos de evangélicos.
Aprender a ver os evangélicos com um grupo fragmentado e diverso é uma primeira lição a ser tomada, que ajuda a superar ações de má-fé política.
No mesmo sentido, não é possível identificar um representante dos evangélicos. Ou seja, alguém que possa falar pelo segmento ou ser apontado como "formador de opinião dos evangélicos".
Esta foi uma armadilha que "engoliu" as grandes mídias noticiosas. Tendo na imaginação a estrutura hierárquica do Catolicismo Romano, que começa no Papa e passa por cardeais, arcebispos, bispos e organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que falam pelo segmento católico, jornalistas, em geral, desconhecedores do mundo evangélico, buscaram a fala de um representante. E deram voz apenas a quem pautou as mídias com declarações conservadoras em torno de temas da moralidade sexual.
São muitas as reportagens e entrevistas com pastores e políticos do universo pentecostal credenciando-os como porta-vozes dos evangélicos. Mas esses líderes não só não representam o segmento, como geram controvérsias dentro e em torno desse grupo religioso. São comuns posturas desrespeitosas e bélicas em relação a quem pensa e age diferente do que eles pregam ser a religião verdadeira. Com isso, as teologias, práticas e visões do mundo que estão entre os evangélicos em direção oposta, com solidariedade, humildade, misericórdia, busca da justiça, têm ficado invisíveis.
Aprender que as muitas vozes devem ser ouvidas com o mesmo grau de destaque é outra lição no que diz respeito aos evangélicos, o que vale também para outros segmentos sociais também invisibilizados.
Por hora, em se tratando de política, vale a inspiração da referência maior dos cristãos, Jesus de Nazaré: "sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas" (Mateus 10.16).
Em tempo: na terça-feira 31 serão celebrados no mundo inteiro os 500 anos da Reforma Protestante.
Fonte: Carta Capital
O primeiro mostra que somente uma pequena parcela dos brasileiros, 19%, leva em conta a opinião de seus líderes religiosos quando estes fazem campanha por algum candidato. Entre os evangélicos, 26% dizem considerar esta orientação. O índice sobe para 31% entre fiéis neopentecostais. Entre os católicos, a taxa é de 17%, um pouco abaixo da média. Apenas 9% dos entrevistados disseram já ter votado em alguém indicado por líderes da igreja.
O segundo aspecto da pesquisa foi o levantamento de votos para presidente da República em 2018. Foram apresentados alguns cenários com nomes que frequentam o noticiário político, como o ex-presidente Lula, o prefeito de São Paulo João Doria e o deputado federal Jair Bolsonaro.
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A "abençoada" despolítica da fome
Religião, arte e liberdade
Não vamos discutir aqui o teor do texto da Folha que trata destes números, pois, a meu ver, é espúrio do ponto de vista da ética jornalística. Ele traz uma manchete (“Evangélicos derrubam Lula”) que não corresponde àquilo que os números da própria pesquisa mostram (o ex-presidente lidera em todos os cenários nos quais é incluído).
O que nos interessa é que o ex-presidente Lula, do PT, lidera o principal cenário entre os eleitores evangélicos, com 32% de preferência. Marina Silva, da Rede, evangélica, ficaria em terceiro com 17%, atrás do deputado Jair Bolsonaro, do PSC, que levaria 21% dos votos.
A pesquisa ainda mostra que 66% dos evangélicos não têm preferência partidária (número maior do que a média nacional, de 59%). Entre aqueles que têm, o PT é o partido preferido, com 18%. Com números bem menores aparecem os outros dois favoritos, o PSDB com 4% e o PMDB com 3%. Estes índices correspondem à última pesquisa geral com eleitores do Datafolha.
A pesquisa reafirma algo em que insisto aqui nos textos desta coluna: que ao nos referirmos a "evangélicos" não tratamos de um grupo monolítico, único, coeso. É uma teia formada pelos mais variados fios, que representam teologias, práticas, costumes, visões de mundo, estruturas organizacionais as mais diversas.
Portanto, é um grande equívoco (quando não má-fé para conduzir campanhas oportunistas) falar de "voto evangélico" em geral ou de um apoio político único dos evangélicos. Isso não existe. São cidadãos autônomos que decidem pelo voto, fundamentalmente, de acordo com suas preferências. As duas eleições que alçaram Dilma Rousseff à Presidência da República são fortes exemplos. Se correspondessem àquilo que bradavam líderes em evidência no cenário religioso, Dilma não teria recebido tantos votos de evangélicos.
Aprender a ver os evangélicos com um grupo fragmentado e diverso é uma primeira lição a ser tomada, que ajuda a superar ações de má-fé política.
No mesmo sentido, não é possível identificar um representante dos evangélicos. Ou seja, alguém que possa falar pelo segmento ou ser apontado como "formador de opinião dos evangélicos".
Esta foi uma armadilha que "engoliu" as grandes mídias noticiosas. Tendo na imaginação a estrutura hierárquica do Catolicismo Romano, que começa no Papa e passa por cardeais, arcebispos, bispos e organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que falam pelo segmento católico, jornalistas, em geral, desconhecedores do mundo evangélico, buscaram a fala de um representante. E deram voz apenas a quem pautou as mídias com declarações conservadoras em torno de temas da moralidade sexual.
São muitas as reportagens e entrevistas com pastores e políticos do universo pentecostal credenciando-os como porta-vozes dos evangélicos. Mas esses líderes não só não representam o segmento, como geram controvérsias dentro e em torno desse grupo religioso. São comuns posturas desrespeitosas e bélicas em relação a quem pensa e age diferente do que eles pregam ser a religião verdadeira. Com isso, as teologias, práticas e visões do mundo que estão entre os evangélicos em direção oposta, com solidariedade, humildade, misericórdia, busca da justiça, têm ficado invisíveis.
Aprender que as muitas vozes devem ser ouvidas com o mesmo grau de destaque é outra lição no que diz respeito aos evangélicos, o que vale também para outros segmentos sociais também invisibilizados.
Por hora, em se tratando de política, vale a inspiração da referência maior dos cristãos, Jesus de Nazaré: "sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas" (Mateus 10.16).
Em tempo: na terça-feira 31 serão celebrados no mundo inteiro os 500 anos da Reforma Protestante.
Fonte: Carta Capital
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