quarta-feira, 23 de outubro de 2024

EpistemolORGIA de Tertuliana: a ciência abunda.

Por Tony Vilhena - Cientista Político
No dia 17 de outubro, a historiadora Tertuliana Lustosa causou polêmica numa apresentação acadêmica-performática. A pesquisadora, que também é mestranda, travesti e cantora da banda "A Travestis", entoou sua música enquanto subia na cadeira para realizar uma dança erótica de demonstração dos glúteos. Uma manifestação artística, política e científica. Sim, científica, sim!
Isso aconteceu na Mesa-Redonda "Dissidências de gênero e sexualidades", que integrava a programação do evento "Gênero para além das fronteiras: tendências contemporâneas na América Latina e no Sul Global", organizado pelo Grupo de Pesquisa Epistemologia da Antropologia, Etnologia e Política (GAEP), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís/MA.
Diante da polarização política que vivemos, a extrema direita se sentiu municiada na sua estratégia de gerar estranhamentos com as instituições de produção autônoma de conhecimento para repercutir seu ideário negacionista. Logo, correu para para fazer seu alarmismo moralista peculiar, acusando o ambiente acadêmico das universidades brasileiras de favorecimento à balbúrdia com recursos públicos.
Porém, o que causou espanto foi o alinhamento que obteve de setores que se autointitulam de progressistas ou de esquerda. Pois, diferente da possibilidade de crítica ou discordância ao ato, quem sabe até cobrando sensatez, observamos diversas pessoas que são professoras e pós-graduandas com uma postura acusatória e condenatória da performance.
O "traveco-terrorismo", como a própria Lustosa apresenta em sua obra, desestabiliza a frieza comodista de boa parte da academia, acostumada em produzir páginas e páginas para decorar estantes intocadas. "O corpo como arma. A palavra como gatilho" (LUSTOSA, 2016, p. 407). Talvez, para seus críticos, melhor seria se "aquela bicha", "aquela travesti" fizesse seu rebolado na penumbra da madrugada de qualquer esquina onde se prostituísse, não no espaço de respeitabilidade de uma sala de aula universitária.

EpistemolORGIA?
A EpistemolORGIA que falamos tem a ver com grau de desordem no cenário contemporâneo. Visto que, foram retiradas as pomposas vestimentas das ciências modernas, enquanto as roupas do novo paradigma ainda estão sendo costuradas, assim se viram nus no salão, estabelecendo uma relação de tesão e tensão festiva, de intercruzamento e interpenetração (VILHENA, 2023, n.p.).
Num clima universitário tão "Lattesísta", onde a busca por produtividade se aproxima mais de ser um fim em si mesmo, por delírio, escândalo ou exibicionismo, Lustosa se deleitou, abundou na provocação e gerou dinâmicas propositivas de explicação do mundo incondizentes com a normatividade litúrgica, comportamental e da linguagem tecnocrata da academia.
No contexto, provocar é necessário para expressar que um grupo ou indivíduo não bem-vindo rompeu os obstáculos que antes tornavam as universidades inacessíveis e lá quer ser manter, produzir conhecimentos sobre seus "corres", sua "quebrada", sobre si como sujeito, não mais como objeto. 
Isso incomoda porque foi estabelecido um acordo tácito entre as ciências modernas e os interesses das classes dominantes, que legitimavam o certo, o normal, o civilizado. Entretanto, hoje, precisamos afrontar esse acordo num levante de uma nova perspectiva de produção científica, um novo paradigma, que observe a busca de garantia de audição das vozes que foram silenciadas e ignoradas na história: tudo aquilo que foi e é taxado como marginal. Esse novo paradigma deve levar em consideração o cientificismo e seu reducionismo diante de um novo mundo complexo, dinâmico e multifacetado.
Todavia, a transição de uma fase para a outra é gradual e com extensa margem de intersecção entre os dois olhares de fazer científico. Vivemos num ecótono, emprestando aqui um termo das ciências naturais para designar o espaço de transição no meio ambiente onde há presença de ecossistemas diferentes, ou seja, estamos nessa transição e, por isso, podemos nos deparar com metodologias mais clássicas junto com as mais inovadoras. Esse encontro, essa mistura, contato das ciências modernas clássicas, com seus instrumentos consagrados para os procedimentos lineares, fragmentados e objetivistas, e um novo paradigma, que propõe abordagens holísticas, correlacionando estatísticas com os problemas sociais e uma profusão de novas técnicas para satisfazer a preocupação de incluir a diversidade humana na gestão da investigação, integra o ser humano de volta à natureza, forma um caleidoscópio analítico para compreensão dos fenômenos. Esse encontro de visões é importante porque a interação produz complementaridade. Essa complementaridade entre paradigmas de ciência, moderna e contemporânea, classificamos como EpistemolORGIA.
Pode aparentar ser um caos antiparadigmático, o que pode soar como anticientífico, contudo, não passa de uma flexibilização, de uma humanização. Até porque, atualmente, a inteligência artificial (IA) já pode fazer um pré-projeto de qualquer assunto imaginável dentro dos padrões usuais da academia, mas somente uma pessoa humana pode desenvolver um pré-projeto com nuances, criatividade, preocupação ética, dimensão estética e comprometimento com os resultados. 
Tertuliana Lustosa contribui para o renovo das práticas de investigação científica, transitando das ciências modernas para a pós-modernidade, admitida aqui uma profusão de técnicas que garantem molejos, vozes e visões dissonantes das produzidas pelas elites intelectuais e econômicas. Ou seja, coopera para o que denominamos de epistemolORGIA, reconhecendo a diversidade cultural e a necessidade de um posicionamento ético, estético e classista contrário ao modelo hegemônico de sociedade que temos que privilegia os mesmos de sempre (homens, cisgêneros, brancos, burgueses, sem deficiência, cristãos, etc.). Pois, como denúncia, consideramos que o seu corpo fala e não se dobra ao poder político, pelo contrário, disputa-o; não se adapta aos interesses do padrão, corrompe-o; não satisfaz a moral conservadora, incomoda-a. Seu corpo e seu tudo (ame)açam os que se acham donos das verdades em tempos de extremismos e incertezas.

REFERÊNCIAS


LUSTOSA, Tertuliana. Manifesto Traveco-Terrorista. Concinnitas, ano 17, v. 01, n. 28, p. 384-409, set. 2016. Disponível em <https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2019/03/Manifesto-traveco-terrorista.pdf>. Acesso em 22 out. 2024.

VILHENA, Tony. Epistemolo(r)gia para “amar e mudar as coisas”. Instituto Ramagem, 2023. Disponível em: <https://institutoramagem.blogspot.com/2023/09/epistemolorgia-para-amar-e-mudar-as.html>. Acesso em: 22 out. 2024.

3 comentários:

  1. Falta de respeito às nossas tradições e costumes. Aquele não foi um ambiente apropriado pra produção artística de muito mal gosto. Uma atitude de minion de esquerda que acredita estar acima das leis e costumes de uma dada sociedade.
    Não me representa

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  2. João Simões Cardoso Filho

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  3. se balançar o rabo virou ciência a anitta é a maior pesquisadora do país

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