sexta-feira, 2 de junho de 2017

Comissão Legislativa apresenta relatório sobre intolerância contra povos de matriz africana

Um relatório foi apresentado, nesta quarta-feira (31/05), pela Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) sobre intolerância religiosa contra os povos de matriz africana. De 2015 a 2017, foram assassinadas sete lideranças afro-religiosas no Pará, o que resultou na criação de um grupo de trabalho para acompanhar as investigações dos casos e em vários  encaminhamentos para tentar combater o racismo institucional e religioso no Estado. A apresentação do relatório foi feita durante Audiência Pública que debateu a intolerância religiosa e que foi realizada a partir de requerimento do deputado estadual Dirceu Ten Caten (PT). A reunião foi a segunda atividade realizada na programação da entrega da Comenda Mãe Doca, que será entregue nesta quinta-feira (1/06). A abertura da programação foi realizada nesta terça-feira (30/05), no hall do prédio da Alepa, com a abertura da exposição "Imagem do Sagrado", que colocou à mostra parte dos símbolos religiosos dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana.

O deputado Dirceu Ten Caten destacou que a programação realizada ao longo da semana por conta da entrega da Comenda Mãe Doca é uma iniciativa do movimento que representa povos de matriz africana. “Essa comenda foi criada através de um requerimento de autoria da ex-deputada Bernadete Ten Caten, com o objetivo de valorizar o trabalho das lideranças que atuam na questão da preservação da cultura dos povos e das religiões de matriz africana. E esse ano, o movimento resolveu realizar uma agenda de atividades para debater várias demandas do movimento. E este ano também tivemos a criação da Frente Parlamentar de Combate a Intolerância Religiosa, que tem trazido à tona, entre outras coisas, o debate dos casos de assassinatos de lideranças afro-religiosas, por conta da intolerância religiosa. Por isso, eu parabenizo o movimento social e as organizações que tiveram essa iniciativa, o que é muito legal e o mandato foi apenas um condutor e um apoiador da realização desses atos”, destacou o deputado.
  
Artur Leandro, que é liderança do povo tradicional banto, onde é chamado de Tata Kinamboji, destaca que os povos tradicionais têm tido os seus direitos atacados, inclusive com o assassinato de várias lideranças de religiões de matriz africana. De acordo com ele, a motivação desses crimes, que possuem características de execução, é o racismo e a intolerância religiosa, o que não estaria sendo reconhecido e investigado pelas autoridades policiais. “O nosso maior problema é porque falta o elo do racismo nas investigações da polícia, que se encerram na questão de conflito de vizinhos e ‘problema com o tráfico’. Na realidade, não é pesquisada a questão das relações étnico-raciais que essas lideranças assassinadas tinham com os seus assassinos, pois eles não são desconhecidos, uma vez que briga de vizinhos é briga entre pessoas que se conhecem, e o tráfico está presente na vida da periferia e quem vive lá sabe quem são os traficantes, e os terreiros atendem as famílias de traficantes. Porém, existem outras questões que estão envolvidas nesses crimes e é por isso que estamos com representantes do movimento no Conselho de Segurança Pública (Consep) para saber as informações que a polícia trabalha para que a gente possa também fazer os nossos levantamentos. Tudo para que essas investigações tenham o olhar dos povos tradicionais porque isso está faltando nas investigações policiais”, ressaltou Tata Kinamboji.

A liderança afro-religiosa Mãe Wanda integra o grupo de trabalho que tem feito o acompanhamento dos assassinatos de lideranças de povos tradicionais e religiões de matriz africana e considera importante a programação que está sendo realizada na Alepa para debater sobre intolerância religiosa. Ela conta que teve o filho mais novo assassinado, aos 17 anos. “Ele foi assassinado, em 2013, e nesta quinta-feira, 01/06, faz quatro anos de sua morte e é muito difícil para mim falar disso porque ele era afro-religioso e desde criança sofria preconceito e intolerância religiosa na escola, até mesmo das professoras, e na comunidade por ser filho de mãe de santo. E o poder público até hoje não deu uma resposta para a morte do meu filho porque eu queria justiça. Mas como eu não consegui pessoas que testemunhassem a meu favor, eu não consegui provar e por isso não posso afirmar que tenha sido essa a causa, mas eu sei que ele sofreu muito preconceito ao longo da vida dele e no dia de sua morte ele foi chamado na minha casa para jogar bola e antes de chegar ao campo foi assassinado com um tiro”, disse Mãe Wanda, que também tem uma filha de 23 anos. “No dia do assassinado dele, a minha casa foi atacada por pessoas que jogaram ovos nas paredes. Na verdade, não foi a primeira vez que a minha casa foi atacada e eu fiz vários registros na delegacia, mas nada foi investigado”, acrescentou a afro-religiosa.

O debate, realizado no auditório João Batista, da Alepa, também contou com a participação de Jorge Farias, da Comissão de Defesa da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), que destacou as convenções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a própria Constituição Federal, que garantem a liberdade religiosa e de culto no país.

A Professora Joana Machado, do movimento negro também esteve presente no debate e propôs a elaboração de um projeto de formação continuada para professores da Rede Estadual de Ensino sobre religiões de matriz africana para ser encaminhado à Secretaria Estadual de Educação (Seduc). “É importante descolonizar o espaço e as mentes das pessoas porque vai completar 130 anos de uma falsa abolição e a nossa presença continua sendo negada em muitos espaços sociais e isso precisa ser debatido na sociedade”, destacou a professora. O debate contou também com a presença do coordenador da Coordenação para a Promoção da Igualdade Racial (Copir) da Seduc, Tony Vilhena; e do representante da Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor da Alepa, Carlos Marques, que apresentou o relatório, além de representantes das mais diversas religiões de matriz africana.

EXPOSIÇÃO E COMENDA - A exposição "Imagem do Sagrado" continua aberta no hall da Alepa e faz parte da programação de entrega da Comenda Mãe Doca, que será entregue em Sessão Solene, nesta quinta-feira (01/06), no plenário da Alepa, a partir das 10h. A comenda Mãe Doca faz referência a uma importante liderança afro-religiosa, reconhecida como a primeira mulher a tocar tambor no Pará. Na Sessão Solene, várias lideranças e personalidades do movimento negro receberão a comenda.
 
Texto: Avelina Castro
ASSESSORIA DE IMPRENSA E DIVULGAÇÃO

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