quinta-feira, 23 de setembro de 2021

23 de setembro, Dia Estadual do Ecumenismo no Pará

Assembleia do CAIC na IPU, em 08/05/2010

Em tempos sombrios, como o que vivemos, governados por pervertidos e negacionistas, que se sustentam numa minoria barulhenta e agressiva, além dos robôs projetores de discursos de ódio e mentiras na internet, é urgente celebrar qualquer iniciativa que contrarie e subverta esta ordem das coisas. Por isso, a celebração do Dia Estadual do Ecumenismo chega junto com um sopro de esperança e um exemplo de exercício da fé para a promoção do diálogo, não para a perseguição de quem "crê" diferente.

O QUE É ECUMENISMO
Precisamos lembrar que o termo Ecumênico deriva do grego oikouméne, que significa casa comum. Faz lembrar que todos/as nós habitamos o mesmo "lar", uma metáfora que ajuda a denunciar que uns estão em "cômodos" mais confortáveis, mas a maioria tem que se aglutinar do "pátio" para fora.
O Ecumenismo, em síntese, é um movimento de união de igrejas cristãs no trabalho missionário e ações de justiça social. Sua expressão institucional moderna pode ser identificada na criação de organizações como o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e o Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (CAIC). Convencionou-se chamar de Ecumenismo a reunião entre pessoas e instituições cristãs e de Diálogo Inter-religioso quando o encontro religioso reúne grupos de outras crenças, espiritualidades, tradições ou filosofias de vida.

O NASCIMENTO DA PROPOSTA

ALEPA: sessão especial da CFE 2010

Na Sessão Especial promovida pela Assembleia Legislativa do Pará (ALEPA) para debater a realização da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2010, no dia 05 de abril, houve a proposta de se marcar no calendário oficial do Estado do Pará uma homenagem às iniciativas ecumênicas na região.
Naquele ano, além da CF Ecumênica, estávamos rememorando o centenário da Conferência Missionária de Edimburgo - Escócia, que reunião mais de 1.500 delegados/as de ministérios protestantes  da Europa e Estados Unidos, tornando-se um marco para o Ecumenismo "moderno".
No meu pronunciamento, naquele período como coordenador do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (CAIC), que compartilhava com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a responsabilidade de disseminar nas igrejas e na sociedade o tema “Economia e Vida” e o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” da CFE, levantei a proposta de se criar o Dia do Ecumenismo.
A deputada Bernade Ten Caten, que presidia a Sessão, abraçou a proposta e pediu para que a oficializássemos junto ao seu Gabinete. Após aprovação na Assembleia do CAIC (primeira foto desta matéria), de 08 de maio de 2010, que ocorreu na sede da Igreja Presbiteriana Unida, em Ananindeua, a assessora teológica do CAIC, socióloga e teóloga Roseane Brito, ficou responsável por redigir a minuta do Projeto de Lei.
Sua principal fonte histórica, de onde retirou a data simbólica, foi a dissertação do prof. dr. Antônio Carlos Teles da Silva, que é mais conhecido como pastor Toninho, pois já atuou no Pará como pastor metodista e, anos depois, luterano, além de ter sido professor na Universidade do Estado do Pará (UEPA). No trabalho intitulado "As origens do movimento ecumênico na Amazônia paraense", pr. Toninho usa sua experiência de militância ecumênica para forjar uma pesquisa historiográfica e teológica sobre o assunto, com o recorte geográfico de onde vivenciou as práticas de unidade entre igrejas cristãs e substancioso referencial teórico.

POR QUE 23 DE SETEMBRO?
Segundo os estudos do pr. Toninho, no início da década de 1980, em plena ditadura militar, a repressão do estado brasileiro dobrava sua violência na Amazônia.
A dissertação apresenta a reunião de diferentes credos no velório do estudante de Matemática César Moraes Leite, morto em sala de aula, na UFPA, no dia 10 de março de 1980, com um tiro "acidental" de um agente da Polícia Federal que espionava as organizações estudantis. O pr. Toninho, que era estudante na época, participou do cortejo e das demais manifestações.

O Memorial César Moraes Leite faz o seguinte registro sobre o citado velório:

A realização de um culto ecumênico que fora realizado pelo padre Savino Mombelli, que era professor de Teologia da UFPA, do padre Ricardo Rezende Figueira que era vice-presidente da CPT da região do Araguaia-Tocantins, do padre Bernard Hoyos Montoya que era professor da UFPA, do Frei Edilberto Sena de Santarém, de [pastora] Rosa Marga Neves da Igreja Evangélica Confissão Luterana e do rabino Abrahão Hamu da Igreja Israelita do Brasil. O documento destaca a postura de radicalização do referido culto ecumênico frente do regime militar especificando a atuação dos padres Savino Mombelli e Ricardo Figueira e da teóloga Rosa Marga Neves.
Vale lembrar que eram recentes as memórias da covardia das Forças Armadas na Guerrilha do Araguaia, que foi tão brutal, que ainda hoje o principal nome do exercício ilegal das funções militares no embate, Major Sebastião Curió, responde por tortura, assassinato e ocultação de cadáveres.
Neste clima de tensão, em 1981, ao redor da cidade paraense de São Geraldo do Araguaia, posseiros/as, ou seja, grupo de trabalhadores/as rurais que plantavam em terras latifundiárias reivindicadas por vários supostos "donos", vinham sendo ameaçados pelos fazendeiros para desistirem de trabalhar nas roças abertas. Jagunços pagos pelos fazendeiros botavam fogo nas casas dos/as lavradores/as e desfilavam com suas armas como intimidação.
Os padres franceses Aristides Camió e Francisco Gouriou se solidarizaram com a situação dos/as posseiros/as e passaram a fazer a assistência daquele povo. Não tardou em vir a perseguição. Em agosto de 1981, ações intensas da Polícia Federal, apoiada pelo Exército Brasileiro com uso de helicópteros e armamento pesado, sitiaram a cidade na caça aos/às posseiros/as e dos padres que ajudava aquelas famílias.
Até que, no dia 31 de agosto de 1981, prenderam os padres Aristides Camió e Francisco Gouriou e, inclusive, a senhora Oneide Ferreira Lima, agente de pastoral, viúva do líder assassinado “Gringo” e vizinha da casa paroquial.
A pressão das manifestações locais e a repercussão nacional do caso forçaram a transferência dos presos para a sede da PF em Belém, incluindo os padres, no dia 11 de setembro de 1981. Entidades da sociedade civil, organizações religiosas e partidos políticos da oposição à ditadura criaram o Movimento Pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA), que promoveu abaixo-assinados, panfletos, informativos e manifestações públicas que denunciavam a injustiça das prisões e os espancamentos e cerceamento de direitos humanos no cárcere.
Em 21 de setembro de 1981, chegam a Belém os familiares dos presos políticos do Araguaia e foram fazer as visitações no cárcere. Os relatos confirmaram as violências da prisão. Então, juntando todas as informações de desrespeito aos direitos básicos de um ser humano e a indignação diante de tanta opressão, no dia 23 de setembro de 1981, ocorreu um culto ecumênico em frente à sede da Polícia Federal, reunindo representantes das Igrejas Católica, de Confissão Luterana (IECLB), Metodista, Batista e Evangelho Quadrangular.

Este culto ecumênico de 23 de setembro de 1981, em Belém, clamando por justiça e liberdade aos presos do Araguaia foi escolhido como marco para o movimento ecumênico regional. Engajar-se na luta por justiça e fraternidade, acolher quem sofre opressão e cooperar para a cultura de paz, são princípios do Ecumenismo, muito bem representados naquela celebração pela vida.

A LEI N° 7.665, DE 9 DE OUTUBRO DE 2012.
Após protocolarmos a proposta de Lei do Dia Estadual do Ecumenismo no Pará, em meados de 2010, apresentamos ofício para todos os gabinetes de deputados/as em defesa da aprovação. Após mais de um ano de tramitação, em 09 de outubro de 2012, a lei foi sancionada (veja aqui).
Sabemos, como diria Drummond, que os "lírios não nascem das leis". Mas usar os meios oficiais para provocar uma reflexão sobre o Ecumenismo na Amazônia visa incentivar que novas pessoas descubram estas histórias e se envolvam neste exercício de fé, militância pelo bem comum e diálogo.
O Dia Estadual do Ecumenismo no Pará também serve para render homenagem a quem deu grande contribuição para iniciativas ecumênicas. E aqui, em nome de várias irmãs e vários irmãos que se dispuseram a prestar um testemunho de entrega ao próximo, celebramos a memória de nossa saudosa pastora de Confissão Luterana Rosa Marga Rothe, que nos deixou em 04 de junho de 2016. Pastora Marga esteve no culto ecumênico de 23 de setembro de 1981, em frente da sede da Polícia Federal, foi a primeira Ouvidora do Sistema de Segurança Pública do Pará, contribuiu na fundação do CAIC e na criação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH).


Prof. Tony Vilhena - Cientista Político

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Política e religião. A divisão de cargos políticos por crença no Líbano.

Na década de 1940, instituiu-se a tradição que indica que a presidência do país deve ser ocupada por um cristão maronita, o primeiro-ministro deve ser um muçulmano sunita e o porta-voz do parlamento deve ser um muçulmano xiita.

LÍBANO E SUAS CRISES
Já havia um histórico de crise econômica e impasse político no Líbano, país da Ásia que faz fronteira com a Síria ao norte e Israel ao sul. Mas tudo piorou quando no dia 04 de agosto de 2020 uma explosão arrasou o porto da capital Beirute e seus arredores, matando mais de 200 pessoas e deixando mais de 6 mil feridos.
A explosão de centenas de toneladas de nitrato de amônio, que eram armazenadas inapropriadamente sob os olhares negligentes das autoridades de segurança, também fizeram desmoronar o governo libanês. Protestos forçaram a renúncia do primeiro-ministro Hassan Diab, eminente professor de engenharia na Universidade Americana de Beirute e ex-ministro da Educação, que vivia o ápice de sua ascensão política. O caos se estabeleceu, atrapalhando, inclusive, as tentativas de ajuda internacional, visto que os países ficaram inibidos em contribuir para a reconstrução de Beirute, correndo o risco de verem suas ajudas serem desviadas pela corrupção ou dissipadas em outros gastos provocados pelas disputas internas. Entretanto, ressaltamos, que este não é o caso da ajuda prometida pelo governo brasileiro: quatro mil toneladas de arroz. Passado todo esse tempo, não foi enviada por mera incompetência mesmo.

ACORDO CONFESSIONALISTA

 Nabih Berri (presidente do Parlamento), Michel Aoun (presidente da República) e Najib Mikati (primeiro-ministro). Foto: STRINGER / DALATI AND NOHRA / AFP

Somente no dia 10 de setembro de 2021 (foto acima), passado mais de um ano da tragédia, enfim, parece que as forças políticas libanesas chegaram a um acordo para o reordenamento daquela República parlamentarista. Mas há um detalhe que poucos conhecem da representação política libanesa: a divisão dos cargos respeita a divisão de crenças majoritárias, ou seja, há um sistema eleitoral que garante que os assentos da Assembleia Nacional devem ser divididos entre cristãos e muçulmanos.
Num país erguido na diversidade conflitante, foi necessário criar uma equação política e religiosa em busca de consenso.  No livro Tensões Mundiais, Jamil Zugueib Neto e Fábio Bacila Sahd* apontam as origens beligerantes da criação de um Estado libanês:

"as populações que habitavam aquele território já se caracterizavam por marcadas cizânias sectárias. Às identidades religiosas mesclavam-se o preconceito, os interesses políticos conflitantes e a hegemonia de umas sobre as outras, resultando em  recorrentes  embates  armados  e  deslocamentos  populacionais" (p. 18).
Os vencedores da Primeira Guerra Mundial se dividiram na exploração dos territórios petrolíferos do Oriente Médio. Coube à França ficar na administração do Líbano, que perdurou até a independência, em 1943. E é nesta década de 1940 que se instituiu a tradição que orienta que a presidência do país deve ser ocupada por um cristão maronita, o primeiro-ministro deve ser um muçulmano sunita e o porta-voz do parlamento deve ser um muçulmano xiita. Este sistema de divisão do poder político a partir das bases religiosas é conhecido como "confessionalismo".
A Constituição libanesa (disponível aqui, em Inglês), em seu Art. 24, garante que o Poder Legislativo tenha representação igual entre cristãos e muçulmanos; e representação proporcional entre os grupos confessionais dentro de cada uma das duas comunidades religiosas.

ACORDO DE TAIFE

A institucionalização constitucional desse arranjo entre política e religião foi firmada no Acordo de Taife, em 1989. Taife é uma cidade na Arábia Saudita que, em 22 de outubro de 1989, abrigou o encontro entre 62 parlamentares libaneses, sendo 31 cristãos e 31 muçulmanos, para redigirem a Carta Nacional de Reconciliação.
Este movimento de "reconciliação nacional" visava encerrar anos de guerra civil (1975-1990), que foram dolorosos para todos os segmentos, com massacres mútuos e envolvimento/invasão dos países fronteiriços Síria e Israel.
Em Taife, foi decidido que se aumentaria o número de assentos do Parlamento para 128 representações, que abaixo demonstraremos como estão ocupados nos dias de hoje.
 
QUEM É QUEM?
Em suma, usando levantamento da pesquisa intitulada O Líbano e o Nacionalismo Árabe, de José Ailton Dutra Júnior**, podemos saber que:
"atualmente (2014) o estado libanês reconhece oficialmente 18 comunidades religiosas. Entre as cristãs temos: os maronitas, greco católico,   greco   ortodoxo,   armênios   gregorianos,   armênios   católicos,   sírios   ortodoxos (jacobitas),  protestantes,  etc.  Entre  as  muçulmanas:  sunitas,  xiitas,  drusos,  alauítas. Também houve  o  reconhecimento  oficial  dos  judeus  que  chegaram  a  contar  com  alguns  milhares  de indivíduos" (p. 19).
Destacaremos os três segmentos que dividem o poder político: moronitas (cristão), sunitas e xiitas (muçulmanos). Entre as teorias da presença maronita na região, grupo cristão mais numeroso, diz-se que descendem dos seguidores de São Maron e estão presentes na região desde o século VI. Em 1736, a Igreja Maronita se incorporou à Igreja Católica Apostólica Romana, tendo a garantia de manter sua liturgia siríaca e língua aramaica, a falada por Jesus.
Continuando, temos os sunitas, maior segmento do Islã, com forte presença e considerável crescimento na África e Ásia. Já os xiitas são minoritários no Islã, mas já foram o segmento religioso mais numeroso no Líbano, pois foram os primeiros a ocupar o território. A diferença entre sunitas e xiitas está na raiz do islamismo. Pois, para os xiitas, após a morte de Maomé, quem deveria assumir a liderança por herança eram os familiares diretos do profeta, mas, os sunitas consideram heréticas as práticas devocionais manifestadas pelos xiitas aos herdeiros de Maomé.

DESENHO DA REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR
Após a última eleição, em 06 de maio de 2018, temos os seguintes grupos políticos (por número de assentos) com representação na Assembleia Nacional:
- Movimento Patriótico Livre (29): cristão.
- Movimento do Futuro (21): muçulmano sunita.
- Amal (17): muçulmano xiita.
- Forças Libanesas (15): cristão.
- Hezbollah (14): muçulmano xiita.
- Partido Socialista Progressista (9): druso.
- Movimento Azm (4): muçulmano sunita.
- Federação Revolucionário Armênia (3): cristão.
- Kataeb (3): cristão.
- Movimento Marada (3): cristão.
- Partido Social Nacionalista Sírio (3): secular.
- Sunitas pró-8 de Março: muçulmano sunita.
- Bloco Karami (2): muçulmano sunita.
- Sociedade Civil (1): secular.
- Independentes (6): indeterminado.
De 15 grupos políticos apresentados, 12 são orientados por motivação religiosa, sendo 5 cristãos e 7 islâmicos.
As próximas eleições parlamentares são previstas para o mês de maio do ano que vem (2022). Abaixo temos a distribuição dos mandatos, hoje.

Wikipedia

GOVERNO ATUAL
Libnanews

No encontro do último 10 de setembro, compôs-se  o poder da seguinte maneira: o muçulmano xiita Nabih Berri  é o porta-voz do Parlamento, o cristão maronita Michel Aoun  é o presidente da República, o muçulmano sunita Najib Mikati é o primeiro-ministro. O vice-primeiro-ministro é o cristão greco-ortodoxo Saadeh al Shami.
Segundo a Agência Fide, no dia 20 de setembro de 2021, após um intenso debate de mais de 7 horas, o Parlamento deu seu voto de confiança aos atuais ministérios, que compõem este novo governo, e que são divididos assim: 11 cristãos (
cinco maronitas, dois gregos ortodoxos, dois gregos católicos, um apostólico armênio, uma católica de rito latino), 9 muçulmanos (cinco xiitas e sunitas) e 2 drusos. Sendo que somente uma mulher assumiu um ministério. Trata-se da cristã de rito latino Najla Riachi, que tornou-se a ministra para a reforma da Administração.
Somente as Forças Libanesas, que são nacionalistas cristãos de extrema direita, e alguns deputados independentes votaram contra, somando 15 votos. Foram 85 votos a favor e 17 abstenções.

AUDIÊNCIA PÚBLICA NO BRASIL
Há relações estreitas entre o povo libanês e o brasileiro. Inclusive, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal, expressando essa preocupação com o contexto atual de instabilidade no Líbano, promoverá uma audiência pública remota, no dia 23 de setembro de 2021, a partir das 10h, na ala Alexandre Costa, com transmissão pelos canais públicos e gratuitos. Para se inscrever, clique aqui (Senado).


Referências:

* ZUGUEIB NETO, Jamil; SAHD, Fabio Bacila. Líbano: nação ou agregado de grupos religiosos? Tensões Mundiais, v. 6, n. 11, 2010. Disponível aqui.

** DUTRA JUNIOR, José Ailton. O Líbano e o Nacionalismo Árabe (1952-1967): O Nasserismo como projeto para o Mundo Árabe e o seu impacto no Líbano. 2014. 320 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014. Disponível aqui.
 

Prof. Tony Vilhena - Cientista Político

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Religião nas Olimpíadas de Tóquio 2020

Os jogos olímpicos são um evento esportivo que expressa a pluralidade dos países e culturas numa demonstração de habilidade e competitividade para premiar os melhores em cada modalidade. As suas origens são de cunho religioso, pois datam do ano 776 a.C, em Olímpia, na Grécia, dentro das tradições mitológicas gregas, em atos devocionais a Zeus, entre outras divindades.

Com o atraso de um ano devido à pandemia do Corona Vírus, de 23 de julho a 08 de agosto e de 24 de agosto a 05 de setembro de 2021 tivemos, respectivamente, as Olimpíadas e Paralimpíadas de Tóquio. Entre conquistas e frustrações, destacamos aqui dois registros que tocaram na importância do respeito à diversidade religiosa, sobretudo, à valorização dos povos tradicionais de matrizes africana. 

Flechas de Oxóssi

@Ubanda7
 

Primeiro, temos a comemoração do quarto gol brasileiro contra a Alemanha, em 22 de julho, que terminou com a vitória por 4x2. Após o chute certeiro, o autor do belíssimo gol, atacante Paulinho, correu eufórico pela lateral do campo e surpreendeu ao simular o lançamento de uma flecha, pose gestual do orixá Oxóssi, que é celebrado como divindade responsável pela caça, pelo alimento, pela fartura.

Nas vésperas das Olimpíadas, Paulinho já havia feito a declaração sobre o que ele chama de sua "filosofia de vida", na plataforma que publica textos de atletas "The Players' Tribune".

"Minha família tem ligação forte com o candomblé e a umbanda. Tenho muito orgulho da minha religião. Se bem que… Religião, não. Prefiro chamar de filosofia de vida. Cultuar essa filosofia me traz muita energia boa, muito axé. Como assentado e praticante, vou ao meu pai de santo sempre que estou no Brasil e peço proteção aos orixás, principalmente ao meu Pai Oxóssi e à minha Mãe Iemanjá. Exu é o caminho. Procuro saudá-lo antes de cada obrigação, de cada partida".

Suas palavras são poderosas. Romperam o silencio intimidador que o racismo impõe às pessoas praticantes de religiões de matrizes africanas, principalmente nos esportes, e deram visibilidade para a necessidade de se combater a intolerância religiosa. Após a seleção brasileira tornar-se medalha de ouro, Paulinho usou as redes sociais e fez a seguinte postagem: "Nunca foi sorte, sempre foi Exú!".

Contas de Iemanjá e Oxóssi

Wikipedia/RicardoGomesdeMendonça

Segundo, temos a alegria irradiante do atleta paralímpico Ricardo Gomes de Mendonça, ganhador da medalha de bronze na prova de 200 metros rasos T37, disputada por atletas com sequela físico-motora devido a lesão encefálica, no dia 03 de setembro.

Ao subir ao pódio e receber sua medalha, Ricardo abre o agasalho para retirar seus colares ou fios de contas, juntando-os à medalha sob o peito. Uma imagem emocionante e inesquecível. Para afrorreligiosos/as, os fios de contas simbolizam a companhia do Orixá ou da Entidade que se devotam. O narrador do canal Sportv, percebendo o momento histórico daquele ato simbólico de resistência antirracista, tratou logo de contextualizar a realidade de preconceitos e perseguições sofridas pelas religiões de matrizes africanas, chegou a citar a frase "respeito seu amém, respeite meu axé!", em alusão a necessidade das religiões cristãs majoritárias observarem o direito das religiões de terreiro de serem respeitadas.

Dos poucos registros sobre este "detalhe" na premiação, consideramos aqui a exposição do Twitter da jornalista Flávia Oliveira - @flaviaol, que postou instantaneamente a seguinte declaração: "irmão de axé Ricardo Gomes de mendonça, bronze nos 200m T37, mostrando os fios de contas de Iemanjá e Oxóssi no pódio. Salve!".

Ouro na luta contra a intolerância religiosa

Os gestos dos atletas Paulinho e Ricardo são importantes para a representatividade. Quantas crianças e jovens de terreiros puderam se ver neles, em diferentes cenários esportivos, num evento de importância internacional, expressando sua fé e sua visão de mundo. Marcaram estas Olimpíadas e o esporte brasileiro. Pois o esporte é estratégico para a abordagem de assuntos de interesse geral, entre eles o racismo, visto o seu alcance social e o sua capacidade de reunir as pessoas das mais diferentes formações e origens.


Por Tony Vilhena - Cientista Político.