quinta-feira, 30 de novembro de 2017

RAMAGEM ENTREVISTA: Denise Corrêa e Lorena Esteves, do "audiodocumentário" sobre o assassinato de afro-religiosos no Pará

https://soundcloud.com/denise-salomao-correa/documentario-racismo-e-intolerancia-a-violencia-contra-religioes-de-matriz-africana-em-belem-do-para
No II Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos Contemporâneos - SIALAT 2017, proposto pelo Grupo de Pesquisa Estado, Trabalho, Território e Mercados Globalizados – GETTAM / Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), ocorrido de 27 a 29 de novembro, em Belém, chamou a atenção a apresentação do pôster intitulado "RACISMO E INTOLERÂNCIA - O GENOCÍDIO DE LIDERANÇAS AFRO RELIGIOSAS EM BELÉM DO PARÁ", de Denise Cristina Salomão Corrêa e Lorena Cruz Esteves, do Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Amazônia - Compoa.
Denise Corrêa é graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPA e Lorena Cruz Esteves é professora da Faculdade de Comunicação da UFPA e mestre em Comunicação. Num empreendimento acadêmico que alia teoria e interesse social, elas desenvolveram um audiodocumentário que aborda o caso de diversos homicídios que vitimaram lideranças afro-religiosas no Pará, com depoimentos de familiares das vítimas e seguidores de religiões de matriz africana.

Você pode ouvir o documentário clicando aqui.

Para a professora Esteves, que explica que o trabalho foi uma iniciativa de sua aluna Denise Corrêa, a qual ela orientou, a produção "vai ao encontro do que foi discutido no Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos contemporâneos, que é propor, entre outras coisas, rupturas com a visão imposta pelo nosso colonizador. Falar de um lugar especifico que é o período pós-colonialista ou decolonial, que vivemos hoje, nos provoca a pensar sobre a nossa visão de mundo eurocêntrica, sobre a nossa historia que nos é contada pela visão do colonizador. Isso precisa mudar, precisamos valorizar mais nossa cultura e dos nossos ancestrais, contar a nossa história com a nossa visão e assim tentar criar um ambiente mais plural e de respeito".

Acompanhe abaixo a entrevista com a estudante de Comunicação Social - Jornalismo Denise Corrêa, realizada pelo Instituto Ramagem (IR).

IR: Como surgiu em vocês essa preocupação com a morte de afro-religiosos em Belém? 


Corrêa: Bom, a preocupação em tratar da temática sobre a morte de afro-religiosos em Belém surgiu primeiramente a partir de uma postagem que vi no Facebook sobre a morte do Pai Banjo, ou Nego Banjo, como também era conhecido. E nessa postagem falava sobre as outras mortes que já tinham ocorrido naquele ano (2016), mas que esses fatos eram totalmente invisibilizados, segundo a postagem. Então, eu fui procurar matérias jornalísticas sobre essas mortes e o pouco que encontrei dentro dos meios de comunicação convencionais eram bastante superficiais e traziam uma abordagem apenas factual, sem aprofundamento no assunto. E nessa época, coincidiu de eu estar fazendo a disciplina de radiojornalismo, ministrada pela Professora Lorena Esteves, que me orientou neste trabalho, assim como o professor Arthur Leandro/ Tatá Kinamboji que faz parte da comunidade afro-religiosa e pode me aproximar das fontes e personagens que utilizei no audiodocumentário. Então, a preocupação em abordar esse assunto foi ganhando cada vez mais força por eu ter também uma proximidade com a comunidade afro religiosa por meio do movimento negro, no qual faço parte aqui em Belém. 


IR: Como vocês fizeram para configurar que estes crimes tinham relação com a religião, não uma mera coincidência? 


Corrêa: Respondendo a segunda pergunta, essa relação entre os crimes e a religião fica mais evidente quando tive a oportunidade de ouvir os relatos das lideranças afro religiosas para o audiodocumentário. Para eles, não há dúvidas. As violências sofridas pelas comunidades afro-religiosas no dia a dia são inúmeras e que vão desde a forma como as pessoas olham para eles quando andam com as suas indumentárias na rua, passando por situações mais graves como apedrejamentos de terreiros, pichações intolerantes no muro de suas casas/terreiros, até chegar na maior violência enfrentada por eles que é a morte. Então, todos esses fatos corroboram para que essa relação seja estabelecida. Outro fator que coloca essa relação em evidência, segundo o relato das lideranças entrevistadas é que não haveria outro motivo para as mortes se não a intolerância na maioria dos casos, pois eram pessoas que não tinham qualquer desavença ou inimizades. O Nego Banjo é um exemplo. 


IR: Quais as dificuldades de acesso às informações no Sistema de Segurança Pública sobre estes casos?  E como vocês avaliam o desempenho do Sistema de Segurança Pública nos casos de intolerância religiosa? 


Corrêa: As dificuldades de acesso são muitas. E essa dificuldade perpassa por diferentes níveis, inclusive o racismo religioso é visível também dentro do sistema de segurança pública por parte de profissionais, sejam policiais, delegados, etc. No audiodocumentário, por exemplo, pude entrevistar Mayume Banjo, esposa de Nego Banjo e ela relata a dificuldade de registrar até o boletim de ocorrência para que a morte de seu marido fosse investigada. Outra questão relatada no trabalho é que muitas das ocorrências solicitadas pela comunidade afro religiosa como casos de intolerância (os apedrejamentos aos terreiros, casos de sal jogado em suas portas, caixas de som com louvores evangélicos em volume máximo para atrapalhar os ritos, etc) são tidos por muitos policiais que chegam ao local como apenas "briga de vizinhos", não levando em consideração a relação de intolerância existente nessas brigas.
No trabalho, eu pude entrevistar três pessoas ligadas à Segurança Pública: Anna Lins, que atualmente é ouvidora da Segup, o delegado Jivago, da Delegacia de Homicídios e que era responsável pela investigação da morte de Nego Banjo e a delegada da Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos, Hildenê Falqueto. A ouvidora Anna Lins tem um envolvimento destoante dos demais por acreditar que esse racismo religioso é real e que as mortes que ocorreram estão sim relacionadas a isso. Já o Delegado Jivago, relata uma descrença nessa relação. A Delegada Hildenê Falqueto apresenta dados de ocorrências registradas na Delegacia: Durante todo o ano de 2015, apenas três ocorrências de intolerância religiosa foram registrados, enquanto que nos primeiros três meses de 2016 o mesmo número de ocorrências foi registrado, significando um possível aumento no decorrer do ano, mas que ainda é muito pouco considerando os relatos de violência sofridos diariamente pelos afro religiosos. Porém, esse baixo número de registros de ocorrência se justifica pela descrença (e medo de represálias) da comunidade afro religiosa em prosseguir com as denúncias. Esse empasse e todas esses obstáculos enfrentados dificulta a criação de dados mais concretos sobre racismo e intolerância religiosa por parte da Segurança Pública e consequentemente, invisibiliza a criação de políticas públicas que possam reverter essa situação ou até mesmo qualificações específicas para profissionais da segurança pública para que os casos sejam devidamente tratados. 


IR: Como se deu a execução do audiodocumentário? Qual a expectativa de vocês na divulgação deste trabalho?


Corrêa: A execução do audiodocumentário foi bastante difícil no sentido de conciliar esse projeto com as demais atividades da faculdade, o que fez com que a expectativa criada não fosse superada da forma como eu queria. Infelizmente, tive problemas pessoais que também comprometeram uma melhor execução do trabalho durante o ano de 2016 e início de 2017, mas que pretendemos reverter dando um melhor acabamento ao material e atualizando os dados para 2017 também. As entrevistas colhidas são muito ricas em informações e emoções e que precisam ser expostas para que a contribuição no combate ao racismo religioso se concretize, pois este é o objetivo do trabalho.  


IR: Como vocês avaliam o fenômeno da intolerância religiosa e como vocês o relacionam com as religiões de matriz africana? 

Corrêa: A intolerância religiosa é um fenômeno crescente e alarmante em todo o país, em especial com as religiões de Matriz Africana. O termo "Racismo Religioso" é colocado pela comunidade afro religiosa porque desde a chegada de negras e negros escravizados no país, as suas crenças e expressividades religiosas foram criminalizadas e proibidas. Sabemos que nesse período de colonização do Brasil, tanto negros quanto indígenas foram obrigados a se adaptar a uma religiosidade cristã imposta pelo colonizador branco e europeu. E até os dias de hoje, essa imposição religiosa é refletida por meio desse racismo religioso que construiu um imaginário de demonização e aversão às religiões de matriz africana na sociedade brasileira. Podemos ver esse racismo religioso expresso em cultos e músicas evangélicas que demonizam orixás e qualquer expressividade afro religiosa, por exemplo. Podemos ver também esse racismo religioso em dizeres populares como "Chuta, que é macumba", "Estar com a pomba gira no corpo", e outras tantas que são extremamente naturalizadas no nosso dia a dia. O desconhecimento sobre as religiões de matriz africana ainda é gigantesco e o direito à liberdade de consciência e de crença ainda é negado aos afro religiosos, mesmo sendo previsto no artigo 5º da Constituição brasileira.
Você pode ouvir o documentário clicando aqui.

Um comentário:

  1. o resultado é maravilhoso, fico feliz de ter sido um elo entre a autora e as comunidades. Parabés.

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