terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Prefeitura de Belém afronta o povo tradicional de terreiro e exclui o Afoxé Italemi Sinavuru da programação do carnaval 2014

Com a censura à apresentação do afoxé no carnaval de Belém de 2014, o prefeito Zenaldo Coutinho e a presidente da FUMBEL, Eliana Jatene, expõem diretrizes racistas na gestão pública e colocam a capital paraense na contramão da política de igualdade racial do Brasil e do mundo.

A Prefeitura Municipal de Belém, através da FUMBEL, ignorou a presença negra na Amazônia e neste ano de 2014 descartou a participação do Afoxé Ita Lemi Sinavuru da abertura dos desfiles do concurso oficial de blocos e escolas de samba de Belém.
Babá Edson Catendê, fundador, compositor e principal articulador do Afoxé Ita Lemi Sinavuru, comandando o cortejo de 2013.

Contrariando a política pública da promoção da invisibilidade negra no Pará por parte da prefeitura de Belém, lembramos que foi no Pará, no município de Oriximiná, que pela primeira vez uma comunidade quilombola recebeu o título coletivo de suas terras, no ano de 1995. E é nesse Estado que se concentra o maior número de terras quilombolas tituladas - já se sabe da existência  de 240 comunidades quilombolas paraenses - e acredita-se que muitas outras ainda serão identificadas
Também é pública a informação de recente pesquisa do governo federal coordenada pelo MDS (disponível no link http://www.mds.gov.br/gestaodainformacao/disseminacao/alimento-direito-sagrado/Alimento_Direito%20Sagrado_web.pdf/view ) em que foram identificados mais de mil terreiros na zona metropolitana de Belém.
Elza Rodrigues, no artigo "Bloco Afro Axé Dudu: polêmica negritude" (disponível no link http://www.cpvsp.org.br/upload/periodicos/pdf/PCUIRPA001990005.pdf ) nos conta que desde 1987 o carnaval de Belém é aberto por cortejos que afirmam a identidade negra na Amazônia. Foi nesse ano que o  Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará/ CEDENPA fundou o "Bloco Afro Axé Dudu", organização carnavalesca que antecedeu o Afoxé Ita Lemi Sinavuru, e, somando os desfiles das duas agremiações, hoje essa tradição já dura 27 anos, ou um quarto de século.



Os afoxés e blocos afro já estão na memória do povo tradicional de terreiro de matriz africana do Pará, como podemos ver no relato de Nego Banjo, relato em que ele conta que "das rodas de samba informais foram formados dois afoxés (Italemi e Bandagira) que são liderados por sacerdotes e desfilam na avenida dos festejos oficiais no período do carnaval, somando a outro que já existia: o Bloco Afro Axé Dudu, dirigido pelo CEDENPA. Com os Afoxés difundimos a nossa crença e visão de mundo para além dos muros dos terreiros, e eu componho pros dois e tem ano que ambos cantam música minha..." (Nego Banjo em entrevista à Tata Iya Tundele e Tata Kinamboji, disponível em  http://www.overmundo.com.br/overblog/entrevista-com-nego-banjo)
Como podemos perceber nos relatos e na memória do povo tradicional de terreiro de matriz africana, o Afoxé Ita Lemi Sinavuru atua como um instrumento de visibilidade do povo e das culturas e das tradições afro-amazônicas, e seu desfile valoriza a luta e resistência contra o racismo e todas as formas correlatas de preconceito, principalmente no combate à intolerância religiosa, aglutinando todos os adeptos das religiões de matriz africana, ameríndias e simpatizantes.


Vídeos do desfile do Afoxe Italemi Sinavuru na abertura do Carnaval de Belem 2010

O Ita Lemi tem como principal articulador o cantor e compositor Edson Catendê. Foi fundado em 10 de janeiro de 2003 no Mansu Nangetu, a partir de uma articulação coordenada pela Associação de Filhos e Amigos do Ilê Axé Iyá Omi Ofá Kare/ AFAIA, Instituto das Tradições e da Cultura Afro-brasileira/ INTECAB, e pelo Instituto Nangetu, e durante uma década desfilou na abertura do carnaval na Aldeia Cabana de Cultura Popular David Miguel e nos desfiles de Icoaraci e Outeiro, marcando a presença do cortejo alegórico afro-amazônico nas diversas passarelas do samba espalhadas pelos distritos da capital paraense, e com ele já são dez anos divulgando o patrimônio cultural afro-amazônico.
Desfile do Ita Lemi Sinavuru em 2013.

Em 2013 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas/ ONU aprovou década intitulada "Pessoas Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento", que será celebrada de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024 com o objetivo de aumentar a conscientização das sociedades no combate ao preconceito, à intolerância e ao racismo. "A resolução aprovada pede que se inicie um processo de interlocução com os países-membros, visando discutir a implantação da década. Ela também é importante porque dá mais visibilidade ao tema nos fóruns internacionais, o que faz com que os países-membros da ONU comecem a dar importância à temática", explica o assessor internacional da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), diplomata Albino Proli. Proli destaca que a resolução também recomenda aos 192 países-membros diretrizes políticas para atender às demandas da população negra no mundo. “A resolução reafirma os propósitos de combate ao racismo e promoção da igualdade racial em nível mundial, já firmados na 3ª Conferencia Mundial contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação Racial e Intolerância Correlata, que aconteceu em Durban no ano de 2001”.
O Governo brasileiro empenhou-se diretamente no processo de negociações que levou à proclamação da Década afro-descendente da ONU, e também em 2013 a SEPPIR-PR lançou o Plano Nacional de Sustentabilidade de povos Tradicionais de matriz Africana, e este plano em seu primeiro objetivo. Diz: “Promover  a valorização da ancestralidade africana e divulgar informações sobre os povos e comunidades tradicionais de matriz africana” em iniciativas como “Realizar Campanha Nacional de informação e valorização da ancestralidade africana no Brasil”.
Iniciativas como a do Afoxé Ita Lemi Sinavuru se antecipam em uma década ao plano governamental e às diretrizes da ONU, e com a censura à apresentação do afoxé no carnaval de Belém de 2014, o prefeito Zenaldo Coutinho e a presidente da FUMBEL, Eliana Jatene, expõem diretrizes racistas na gestão pública e colocam a capital paraense na contramão da política de igualdade racial do Brasil e do mundo.

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