quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Justiça afasta restrições contra cultos afro-brasileiros em Florianópolis

Florianópolis - A fiscalização municipal de Florianópolis não pode restringir o culto a religiões de matriz africana com base no horário nem em exigências para que os terreiros se adequem às normas de funcionamento de bares e estabelecimentos similares. É o que determina uma sentença emitida em 28 de setembro pela 6ª Vara Federal de Florianópolis. A decisão resulta de uma ação civil pública que a Defensoria Pública da União (DPU) interpôs após a constatação de que a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) vinha aplicando multas a centros de umbanda, determinando “suspensão da atividade poluidora” sonora e obrigando as casas a adquirirem Certidão de Tratamento Acústico.
 
A sentença também considera inconstitucional a Lei Complementar municipal 479/2013, que autoriza centros de religiões de matrizes africanas a realizarem suas atividades até as 2h do dia seguinte. Na decisão, a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, afirmou que a norma possui “natureza discriminatória” por limitar apenas o funcionamento dos centros de umbanda, e não das manifestações religiosas como um todo.

São 109 terreiros na cidade que serão beneficiados pela decisão judicial. O levantamento, feito pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), faz parte do estudo antropológico Territórios do Axé, iniciado em julho de 2016. Em dezembro daquele ano, a juíza Marjôrie Cristina Freiberger reafirmou a importância da conclusão da pesquisa para o julgamento da ação judicial em curso. Os dados colhidos apontam que 80,47% das 210 casas entrevistadas já sofreram alguma forma de intolerância. Além de Florianópolis, foram levados em conta os centros em Biguaçu, Palhoça e São José.

As restrições sofridas por praticantes de cultos afro-brasileiros foram denunciadas à DPU pelo Fórum de Religiões de Matriz Africana. Na petição inicial enviada em novembro de 2015 à Justiça, o defensor público federal Fabiano Schutz Ferraro solicitou que, por decisão liminar, a administração municipal fosse proibida de impedir a “realização de cultos, festividades ou cerimônias nos Templos afro-brasileiros”, sendo respeitados seus “rituais, rezas e demais expressões”. A juíza indeferiu o pedido de liminar, que disse poder ser reavaliada após a manifestação dos réus.

Incoerência
A DPU apresentou um exemplo de como a fiscalização, da forma como vinha sendo feita pela Prefeitura, poderia ser enquadrada como ilegal. Trata-se de uma autorização emitida pela Floram para a realização de um evento religioso de matriz africana. O evento, que aconteceria em dezembro de 2015, foi autorizado considerando-se somente os limites de ruídos trazidos pela tabela da Lei Complementar 003/1999. Este anexo da norma estipula que dentro daquele zoneamento as emissões sonoras poderiam ter até 60 decibéis durante o período diurno; durante o período vespertino, 55; e durante o noturno, 50. No entanto, o artigo 8º da mesma lei afirma que se eximem das proibições “templos de qualquer culto, desde que não ultrapassem os limites de 65 decibéis nos períodos diurno e vespertino; e no período noturno enquadrem-se na Tabela I”. Uma incoerência, na visão da instituição.
Em outubro de 2016, a DPU levou a conhecimento da Justiça novas autuações que o Município aplicou a terreiros. As alegações da Prefeitura referiam-se ao barulho excessivo emitido pelos centros religiosos. Todavia, não foi feita “qualquer medição por aparelho homologado pelo INMETRO”. De acordo com Vanda Pinedo, representante do Fórum de Religiões de Matriz Africana, “muitos terreiros não têm medição [sonora] e foram abordados às 8h, 9h da noite. Todas as outras religiões professam suas fés, fazem caminhadas, tocam seus sinos, tocam instrumentos de metais, e nós temos instrumentos legítimos.” Ela ressalta o tambor como um elemento essencial dos cultos afro-brasileiros. “Retirar o tambor de nossa prática (…) é refutar a fundamentação e a sobrevivência da nossa religião”.

Processo
Em dezembro de 2016, as partes envolvidas no processo participaram de uma audiência de conciliação, sem sucesso. Após cinco meses, a DPU, a Floram, o Ministério Público Federal (MPF), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e representantes religiosos realizaram uma reunião em que se comprometeram a buscar uma solução para cessar “os procedimentos de autuação referentes à poluição sonora” dos terreiros.
Após a Justiça determinar a apresentação de alegações finais, em outubro de 2017, a DPU se posicionou contra a exigência de alvarás para funcionamento das casas com os mesmos requisitos de bares e similares; contra a limitação de funcionamento até as 2h; e a favor de que eventuais autuações somente ocorressem com a efetiva medição de decibéis, com a “deliberação conjunta de regras que estabeleçam dias e horários para cerimônias com atabaques e outros que possam causar poluição sonora”.
A juíza Marjôrie Freiberger emitiu a sentença em 28 de setembro deste ano, determinando o fim da limitação de funcionamento por horário e o fim da exigência para Certidões de Tratamento Acústico que impeçam a realização de cerimônias religiosas. A Certidão só pode ser demandada se os decibéis previstos no artigo 8º da Lei 003/1999 forem excedidos, verificação que deve ser realizada por meio de medição efetiva. A medição também é imprescindível para qualquer eventual sanção devido ao excesso de ruído. Além disso, a juíza afastou a exigência de alvarás com os mesmos requisitos de bares e similares e reafirmou o direito de os centros religiosos utilizarem velas e incensos durante os cultos.

Foto de capa cedida por Vitor Shimomura.

CMP/RRD
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União

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