Ensino religioso vinculado a crenças:
Por seis votos a cinco, os ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiram na tarde de quarta-feira que as escolas públicas podem
oferecer aulas com professores representantes de religiões específicas. É
o chamado ensino religioso confessional, em que os magistrados podem
promover as próprias crenças no ambiente escolar. Na prática, um padre
ou um pastor poderão ficar responsáveis pelos ensinamentos aos
estudantes.
Na rede estadual de Santa Catarina, as
aulas de Ensino Religioso são ministradas em escolas públicas do 6º ao
9º ano por cerca 800 professores — todos formados em Ciências da
Religião com licenciatura em Ensino Religioso, que é um pré-requisito no
momento da seleção. O modelo não-confessional, que é o oposto do que
ratificou o Supremo, é adotado há mais de uma década e tem respaldo em
um decreto e uma lei estaduais.
Na entrevista abaixo concedida ao Diário Catarinense,
o coordenador de ensino religioso da Secretaria de Estado da Educação
de Santa Catarina (SED) Élcio Cecchetti comenta a decisão recente de
Brasília, que considera "um retrocesso sem igual". O professor de ensino
religioso e coordenador do Fórum Nacional Permanente de Ensino
Religioso também adianta que o Estado não irá adequar-se a ela.
Confira:
As escolas da rede estadual têm aula ensino religioso atualmente?As
aulas acontecem com professores selecionados pela rede estadual por
meio de concurso público de um lado, quando se trata de efetivação. E, e
na falta desses, por meio de processos seletivos, que consideram como
critério-chave de admissão o conhecimento da diversidade religiosa a
partir de uma perspectiva científica e inter-cultural.
Em termos de cursos, quais são os pré-requisitos para esses professores?Nós
consideramos como habilitados aqueles oriundos dos cursos de ciências
da religião - licenciatura em ensino religioso. Curiosamente, SC é
pioneiro na oferta desses cursos, que começaram a ser oferecidos no ano
de 1996. É um curso só oferecido pela FURB, Unochapecó e Centro
Municipal Universitário de São José. Então, na verdade, SC é referência
nacional na oferta de ensino religioso não-confessional. Porque há mais
de duas décadas trabalha nessa direção e, praticamente, nós não temos
problemas oriundos dessa prática, porque já está bem consolidada na
comunidade escolar.
Nesse ensino religioso, é respeitado o caráter facultativo da aula?A
secretaria sempre orientou que no ato de matrícula as escolas
explicitem que é um direito da família e do estudante escolher assistir
ou não a essas aulas. Contudo, a secretaria também orienta que a própria
escola precisa oferecer uma atividade pedagógica na mesma hora. Porque
se a gente abrir e disser: "é isso aqui ou nada", o aluno vai querer
nada. Então, a gente sempre indica que primeiro tem que informar os pais
de que naquele momento ele vai ter que estar na escola, ele não vai
sair mais cedo, não vai chegar mais tarde, não vai ficar no corredor
ocioso, mas vai ter uma atividade pedagógica na biblioteca ou em outro
espaço. Seja uma leitura, uma atividade de interpretação, algo tem que
ser providenciado naquele momento. Para você ver o tanto que não é
problemático essa história do não-confessional, a gente uma vez a gente
fez uma pesquisa de consulta à rede e menos de 1\\\\% optam em não fazer
ensino religioso. Na maioria das escolas, isso entra de maneira
consensual, sem muito conflito e problemática, embora sendo de matrícula
facultativa.
Você acredita que, se fosse no modelo confessional, como acatou o STF, essa rejeição poderia acontecer?Sim,
certamente. Porque a escola pública recebe aluno de todos os credos e
também gente que não tem credo ou sem religião. Então, à medida que a
aula vai ser confessional, por exemplo, um evangélico não vai querer
ensino religioso católico. E o católico não vai querer ensino religioso
evangélico. Só para começar a história. Se vem a mãe de santo para
pregar a doutrina umbandista na escola, vai ter um monte de gente que
vai taxar isso, vai ver de maus olhos. A escola vira um centro de
disputa e de conflito. Para nós, é totalmente impraticável oferecer
ensino religioso confessional. Isso choca, afronta a laicidade do
Estado, mas principalmente o dia a dia da escola, que tem uma
organização própria. E essa prática aí desorganiza todo o clima da
escola. É muito inviável pensar nessa execução.
A SED pretende seguir a decisão recente do STF?Olha,
eu não posso falar pelo secretário, mas do ponto de vista pedagógico da
área que eu trabalho na Secretaria de Educação, nós não iremos
implementar o confessional. Até porque o Estado tem uma regulamentação
própria. Nós temos um decreto de 2005, que regulamenta o ensino
religioso em Santa Catarina, o decreto 3882 de 28/12/2005. É assinado
pelo ex-governador Luiz Henrique da Silveira. É uma normatização de mais
de 12 anos. Essa normatização foi, depois, aprovada pelo Conselho
Estadual de Educação. E também a própria lei estadual 170, que
regulamenta o sistema de ensino em SC, prevê o ensino religioso
não-confessional. Então, de acordo com a legislação vigente no nosso
Estado, não há nesse momento hipótese alguma de regulamentar o
confessional. A secretaria manterá a proposta em vigor. Até porque se
investiu muito ao longo desses 20 anos em formação de professores, em
produção de materiais, em propostas curriculares, em palestras, em
eventos, em uma infinidade de coisas todas voltadas ao não-confessional e
ao respeito à diversidade religiosa. Fazer o contrário agora é um
retrocesso sem igual. Então, muito difícil.
O modelo confessional fere o Estado laico?Sim,
afronta totalmente, uma vez que a escola é pública e, portanto, é
laica. Ao ser pública e laica, ela é de todos e não assume um credo como
uma norma, nem dá certo privilégio a um credo. Então, essa possível
parcialidade da escola implica em estudar todos os conhecimentos,
doutrinas, correntes de pensamento, sejam eles filosóficos ou
religiosos, de uma maneira voltada à perspectiva de conhecimento,
análise, crítica, construção. E nunca na perspectiva de doutrinação. A
escola tem uma cultura. Essa cultura é formada por professores, gestores
e estudantes. Quando vier de fora da escola, dessa cultura, um sujeito,
seja ele um pastor, um catequista, uma figura estranha à educação, essa
figura acaba destoando do conjunto da escola e virá numa perspectiva de
defender uma doutrina e um credo em específico. Isso afronta a
neutralidade da escola, que é um espaço público, um espaço de todos e
que não assume um credo ou outro como referência. É uma afronta à
laicidade do Estado como um princípio republicano.
Em que medida o ensino de diversas religiões é importante no ambiente escolar?Por
experiência própria, porque eu também sou professor de ensino religioso
concursado na rede estadual há 13 anos e habilitado em Ciências da
Religião pela FURB, os estudantes questionam ou fazem submergir uma
série de preconceitos que são infundados sobre a crença do outro. Então,
o meu vizinho acende uma vela e eu acho que é uma coisa até demoníaca.
Ao estudar os fenômenos das diversas religiões, a gente vai vendo que
acender a vela não é problema. Não tem nada de estranho. É uma coisa que
várias religiões fazem, com tal significado, com tal propósito... Então
vai desmistificando uma série de problemáticas e rótulos de
preconceitos que pairam no campo social. O segundo fato é que, na medida
que os estudantes vão conhecendo e se apropriando de outras formas de
ver o mundo, outras formas de crer, ele também conhece melhor a sua.
Então, ele vai fazendo confrontações, ele vai conhecendo, vai fazendo
autoanálise, vai fazendo suas sínteses. Na verdade, nesse processo, não é
o professor de ensino religioso que dá respostas, mas é o aluno que vai
construindo as suas respostas a partir do que conhece. Em terceiro
lugar, isso gera uma capacidade de argumentação, de criticidade. Porque
daí o estudante não é enganado facilmente, não vai reproduzir
estereótipos sem fundamento. E com isso ele tem, portanto, uma
capacidade de opinar com base mais científicas do que por mero achismo
ou convenção social. Em nível de conhecimento, o estudante sai com
diferencial. Vai conseguir, a partir disso, fazer leituras de mundo. De
entender uma novela, que muitas vezes aborda questões religiosas, de
entender melhor um filme que assiste no cinema, um livro que lê. Toda a
problemática que sempre envolveu política e religião, economia e
religião, saúde e religião. Na verdade, a religião está envolvida em
tudo na sociedade. Sem um conhecimento que prepare ele para entender
essa realidade, há um analfabetismo religioso. O aluno sairia da escola
sem a capacidade de entender um elemento cultural e social muito
importante chamado religião.
Fonte: A Notícia Clic RBS
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