O prof. dr, Flávio Gomes estará em Belém/PA nesta semana. Ele, que já foi professor na UFPA na década de 1990, hoje é professor permanente nos programas de pós-graduação em História da UFRJ.
Gomes angariou em sua jornada acadêmica merecido reconhecimento nacional pelos seus estudos sobre o Brasil colonial e pós-colonial, escravidão, quilombos, campesinato e Amazônia, além de já ter sido premiado internacionalmente por sua obra.
No dia 17 de agosto, as 19h, na Estação Gasômetro, Gomes ministrará a palestra "História e formação dos quilombos na Amazônia: do século XVIII ao tempo presente".
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA NO PARÁ
Numa das vindas do eminente professor à cidade de Belém/PA, tivemos a honra de trabalhar juntos/as no Grupo de Trabalho "Movimentos Sociais e Lutas Sócio-Territoriais: Olhares Sobre a África e a América Latina", do Seminário Internacional América Latina - SIALAT, promovido pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA/UFPA, em novembro de 2017.
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Amaral, Tony, Giovana e Flávio, SIALAT 2017 |
Naquela oportunidade, apresentamos uma pesquisa em desenvolvimento que demonstrava o quão insatisfatório era o atendimento da Secretaria de Estado de Educação do Pará- SEDUC, tendo a frente seu departamento responsável para esse assunto, a Coordenadoria de Educação para a Promoção a Igualdade Racial - COPIR, ao que determina a Resolução do Conselho Nacional de Educação nº 08//2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.
Ver aqui o artigo: FERREIRA, Giovana; VILHENA, Tony. "Educação para a territorialidade: uma análise dos projetos pedagógicos...". SIALAT, 2017. Anais... Belém: NAEA, 2017, p. 1347-1360.
Embora houvesse boas iniciativas da COPIR/SAEDUC, sobretudo, na que consistia na elaboração de um Plano Estadual para a Educação Quilombola, vários obstáculos impediam qualquer avanço: equipe técnica reduzida, falta de representatividade quilombola na equipe e ausência da oferta de Ensino Médio nas escolas das comunidades quilombolas.
Pasmem, no Pará, estado da quarta maior população quilombola do país não havia formalizada nenhuma Escola Quilombola de Ensino Médio.
Até em 2013, para o/a aluno/a se matricular na SEDUC não havia identificação se ele/a era quilombola. A SEDUC só procurou identificar os/as alunos/as quilombolas/as quando alertada que essa identificação representava maior aporte de dinheiro do Governo Federal nos repasses obrigatórios de verbas.
Ainda era o Governo Jatene, mas já apontávamos na nossa pesquisa para a necessidade de criação de uma estrutura específica para atender à educação escolar quilombola, sob a coordenação de um/a professor/a quilombola, composta por uma equipe com expertise na temática e de maioria quilombola. Esta Coordenação de Educação Escolar Quilombola teria representações nas Diretorias Regionais de Ensino - DRE - que apresentem presença de comunidade quilombola.
Mas, vergonhosamente, ao invés de se aproximar das comunidades e atender os anseios de construção de escolas quilombolas, regulares e tecnológicas, a SEDUC preferiu espalhar um sistema de ensino pela televisão, com o apoio de uma fundação vinculada a um banco privado.
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA E GOVERNO HELDER
O primeiro governo Helder Barbalho também muito frustrante para que esperava algum sinal de avanço no atendimento da Educação Quilombola. Ver nossa matéria: Após um ano paralisada, COPIR deve retomar seus projetos.
Mesmo que a pauta do combate ao racismo tenha se espalhado pelo mundo, com o Movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter), impulsionado pelo assassinato covarde de um homem negro pela polícia de Minneapolis, nos EUA, em 25 de maio de 2020, na SEDUC não houve nomeação e orçamento definido para o trabalho da COPIR. Sim, aqui foi o governo Helder que colocou seus joelhos no pescoço da educação antirracista, sufocando-a.
Os Educação Indígena só se movimentou porque, depois de serem enrolados por meses, os povos Gavião/Pakategê, Amawé e Tembése se organizaram e ocuparam a sede da SEDUC, só saindo após garantirem o cumprimento de suas pautas por parte do órgão governamental.
Agora, no seu segundo governo, enfim, saiu a nomeação de coordenação para a COPIR, retornando para o posto o professor Amilton Gonçalves Sá Barretto, referência em políticas para a igualdade racial.
Entretanto, retornar a COPIR não basta. Há de se criar uma coordenação específica para a Educação Quilombola, coordenada por um/a quilombola e com equipe composta majoritariamente por quilombolas.
Até porque, se antes poderia haver a desculpa de não haver quilombolas capacitados/as para assumir os cargos técnicos, hoje esta desculpa não funciona mais. Pois, somente na UFPA, que estabeleceu o Processo Seletivo Especial para Quilombolas, em 2013, já se formaram quase 200 nas mais diversas áreas do conhecimento.
Claro, são as entidades quilombolas que devem estabelecer suas prioridades, mas sabemos que duas tarefas são urgentes:
1- Elaborar o Plano Estadual e Educação Quilombola, prevendo, inclusive, suas bases curriculares, calendário, material didático, alimentação, etc.;
2- Responder aos pedidos formalizados pelas comunidades quilombolas de abertura de escolas de Ensino Médio Regular e Tecnológico em localidades que apresentam demanda suficiente; e assessorar outras comunidades para que formalizem o pedido de providências para o atendimento do Ensino Médio.
AMEAÇAS AOS DIREITOS DE QUILOMBOLAS
Três momentos, enquanto fazíamos a pesquisa, chamaram a nossa atenção e mostram como os ataques aos direitos das comunidades quilombolas devem ser respondido pelo poder público com maior integração de suas pastas:
- Direto à alimentação escolar: No dia 14 de maio de 2015, no Fórum da Alimentação Escolar Quilombola de Oriximiná, enquanto as representações das associações quilombolas reivindicavam reformulação do cardápio e que a Prefeitura adquirisse os produtos diretamente da agricultura familiar mantida pelas comunidades quilombolas, a nutricionista do setor de alimentação escolar da Secretaria Municipal de Educação denunciou aos prantos que estava sob ameaça anônima de morte por ter proposto a alteração do modus operandi da aquisição, armazenamento, distribuição e preparo da nutrição dos/as estudantes, o que hipoteticamente desagradou alguns fornecedores viciados.
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Reunião sobre alimentação escolar, em Oriximiná |
-Direito de ir e vir e direito à educação: No dia 24 de maio de 2016, a Câmara Municipal de São Miguel de Guamá realizou audiência pública para tratar das políticas públicas implementadas em comunidades quilombolas do município. Enquanto as lideranças apresentavam as dificuldades para acesso aos serviços públicos, uma senhora da Comunidade Quilombola do Canta Galo relatou os severos ataques de fazendeiros que retiram madeira, derrubam açaizeiros e cacaueiros e poluem os igarapés, contando com a inoperância do Estado e com ameaças públicas. Inclusive, um dos fazendeiros fechou a única estrada que viabilizava a passagem do transporte escolar das crianças da comunidade, fazendo-as caminhar mais de seis quilômetros para pegar o ônibus. Para a surpresa negativa da plenária, o prefeito da cidade, que participava da Audiência, reagiu às denúncias prometendo que iria pessoalmente conversar com o fazendeiro, visto que eram amigos, para pedir que desbloqueasse o caminho. Desta forma, um direito básico, o de ir e vir, que estava associado ao direito à educação das crianças, ficaria pendente ao acordo de “amigos”, não garantido conforme o legislado e sem a participação direta e autônoma das maiores interessadas na questão: as famílias quilombolas.
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Mesa de audiência pública, na Câmara Municipal de São Miguel do Guamá |
- Direito à segurança pública: Já no dia 12 de julho de 2016, na Comunidade Remanescente de Quilombo de Abacatal, área rural do município de Ananindeua, na confluência do populoso bairro do Aurá, ocorreu uma Audiência Pública para tratar de temas diversos, visando a melhoria das condições de vida daquela população. A organização do encontro foi da Comissão de Defesa da Igualdade Racial e Etnia e Direitos dos Quilombolas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB/PA). Entretanto, “segurança pública” foi o tema que mereceu maior destaque na Audiência. Pois os/as moradores/as relataram o estado de pânico que havia tomado conta do local devido às sucessivas ameaças de invasão do território quilombola por criminosos que agem na vizinhança. A tensão agravara-se devido a comunidade fazer oposição e resistir à atuação de pessoas supostamente ligadas ao tráfico que buscam homiziar-se na área pertencente á comunidade.
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Audiência pública na Comunidade de Abacatal |
QUILOMBOS SÃO LIBERDADE E (R)EXISTÊNCIA
Aprendemos com as lideranças quilombolas que quilombos são lugares de encontro, de existência, que tem a ver com a autoafirmação de se perceber a agir no mundo, e resistência, que tem a ver com o histórico de lutas e invenções de tecnologias para organização comunitária e produção econômica. Logo, é de um reducionismo inaceitável associar os quilombos a lugarejos distantes onde vivem "pessoas descendentes de escravos que fugiram". Pois, na verdade, são espaços de pessoas livres, que lutaram por sua liberdade e que estabeleceram novas relações sociais, preservando valores de sua ancestralidade.
A SEDUC precisa respeitar essa história e garantir a execução da responsabilidade que lhe cabe.