sábado, 25 de maio de 2019

Casa de candomblé é derrubada pelo governo do DF; 'Intolerância religiosa', diz OAB

Construção é filial da Casa do Caboclo, entidade fundada em 1975. Governo afirma que área pública sofria 'parcelamento irregular'.

Por Marília Marques e Letícia de Oliveira, G1 DF e TV Globo

Membros da Casa do Caboclo, no Lago Norte, cantam e dançam ao redor de construção derrubada pelo DF Legal — Foto: TV Globo/Reprodução

Após a derrubada da construção de uma filial do terreiro de candomblé Caboclo Boiadeiro – o centro mais antigo do Distrito Federal, fundado em 1975 – a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) decidiu recorrer do caso por entender que a destruição do imóvel pelo governo foi um "ato de intolerância religiosa".

A ação que demoliu a casa de matriz africana no Lago Norte foi organizada pelo DF Legal – antiga Agência de Fiscalização (Agefis) – na segunda-feira (20), mesma semana em que o novo órgão começou a funcionar.

Segundo a presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-DF, Patrícia Zapponi, "louças, imagens e itens sagrados foram destruídos".

"Nosso sagrado estava ali. Não podemos tirar nada, arrebentaram a cerca e, sumariamente, derrubaram tudo", afirma Patrícia.

Os membros da religião disseram ainda que a direção do centro espírita não foi notificada. Em nota, o DF Legal informa que a obra demolida era "recente e irregular". A secretaria disse ainda que o espaço estava "sem identificação e tratava-se de parcelamento irregular de área pública".

"O imóvel não possuía características de templo religioso e, sim, de moradia", diz o comunicado enviado à reportagem. Além disso, o GDF afirma que remoções em locais públicos "não necessitam de prévia notificação".

O local atendia cerca de 100 pessoas por sessão, mas, no momento da derrubada, por volta de 7h, não havia frequentadores no local.


Denúncia

Em março, o governo recebeu uma denúncia de desmatamento em área de preservação ambiental no local onde a filial do terreiro estava construída. Na época, a Agência de Desenvolvimento (Terracap) identificou a construção e pediu uma atitude do DF legal.

Os coordenadores do terreiro de candomblé entraram com um pedido de regularização da área no ano passado, junto à Secretaria de Meio Ambiente e à Agricultura do DF, porque o lote fica próximo ao Córrego do Urubu.

"Foi um ato de intolerância religiosa. Têm várias construções à nossa volta, nenhuma foi derrubada, só a nossa."

Mesmo com os documento em mãos, os fiscais "não pediram para ver", afirma o líder Américo Neves Filho, conhecido como Pai Lilico. "Arrebentaram a cerca e começaram a derrubar a casa do lado de fora, sem procurar saber o que era".

10 anos sem regularização
De acordo com o GDF, as áreas ocupadas no DF até 31 de dezembro de 2006 são passíveis de regularização. Nos últimos 10 anos, no entanto, nenhuma área de terreiro foi regularizada em Brasília.

Sobre o assunto, o governo aponta que "é compromisso da atual gestão acelerar o processo de regularização das áreas de terreiro até o final do ano".

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Saudades de Arthur. Lutemos como ele!

Há um ano atrás, 15 de maio de 2018, por volta das 19h, participávamos de um carnaval diferente. A praça de folia era a portaria de uma capela mortuária na Av. Conselheiro Furtado, em Belém/PA. Sim, estávamos lá atendendo ao convite do entusiasta professor de arte e ativista político-cultural Arthur Leandro, também conhecido pelo seu nome afro-religioso de Tata Kinamboji, que em mais uma de suas surpresas partira pela manhã "de volta ao seio sagrado de Nzambi" (aprendi dizer isso naquele dia).
Entre batuques, palmas e canções, aquele antivelório expressava muito de quem foi e quem é, pois está conosco sempre, Arthur Leandro. Iconoclasta, irreverente e impactante. Um convite para o estranhamento daquilo tudo que parece habitual ou adequado nos padrões da sociedade branca-cristã-heteronormativa.
Ao lembrar que, anos antes, uma de suas intervenções artísticas foi publicar a notícia de sua morte no obituário de um grande jornal da cidade, denunciando, assim, que a imprensa não tem compromisso com a verdade e sim com o quanto recebe, revelo que ficou em mim uma expectativa de que aquilo tudo era mais um de seus atos poéticos e políticos. Imaginei ele postando depois freneticamente nas redes sociais algo assim "como podemos nos reunir em um velório, mesmo diante de nossa diversidade e agendas tão apertadas, e não conseguimos nos juntar pra ter mais força pra combater nossos inimigos comuns: os racistas, os fascistas e uma cambada de filha da puta que nos perseguem todos os dias...".
Passou um ano e sua audácia nos faz falta. Mas estamos aqui, Tata. São tempos absurdos, mas a luta segue. Seguem também conosco seus ensinamentos e destemor. 
Queria postar aqui uma foto tirada nas ladeiras do Pelourinho, em Salvador, durante o Fórum Social Mundial do ano passado, quando Giovana, eu e o Arthur nos encontramos. Ele ia zimbado na cadeira de rodas elétricas por aquelas ladeiras de pedras. Mas a foto perdeu-se nas "nuvens" deste céu louco digital. Mas, mantenho a homenagem com esta foto mais formal de um grande dia. O dia que fomos convidados para palestrarmos na criação da Comissão de Liberdade Religiosa da Assembleia Legislativa do Pará.


Por Tony Vilhena
Coordenador do Instituto Ramagem