No II Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos Contemporâneos - SIALAT 2017, proposto pelo Grupo de Pesquisa Estado, Trabalho, Território e Mercados
Globalizados – GETTAM / Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), ocorrido de 27 a 29 de novembro, em Belém, chamou a atenção a apresentação do pôster intitulado "RACISMO E INTOLERÂNCIA - O GENOCÍDIO DE LIDERANÇAS AFRO RELIGIOSAS EM BELÉM DO PARÁ", de Denise Cristina Salomão Corrêa e Lorena Cruz Esteves, do Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Amazônia - Compoa.
Denise Corrêa é graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPA e Lorena Cruz Esteves é professora da Faculdade de Comunicação da UFPA e mestre em Comunicação. Num empreendimento acadêmico que alia teoria e interesse social, elas desenvolveram um audiodocumentário que aborda o caso de diversos homicídios que vitimaram lideranças afro-religiosas no Pará, com depoimentos de familiares das vítimas e seguidores de religiões de matriz africana.
Você pode ouvir o documentário clicando aqui.
Para a professora Esteves, que explica que o trabalho foi uma iniciativa de sua aluna Denise Corrêa, a qual ela orientou, a produção "vai ao encontro do que foi discutido no Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos contemporâneos, que é propor, entre outras coisas, rupturas com a visão imposta pelo nosso colonizador. Falar de um lugar especifico que é o período pós-colonialista ou decolonial, que vivemos hoje, nos provoca a pensar sobre a nossa visão de mundo eurocêntrica, sobre a nossa historia que nos é contada pela visão do colonizador. Isso precisa mudar, precisamos valorizar mais nossa cultura e dos nossos ancestrais, contar a nossa história com a nossa visão e assim tentar criar um ambiente mais plural e de respeito".
Acompanhe abaixo a entrevista com a estudante de Comunicação Social - Jornalismo Denise Corrêa, realizada pelo Instituto Ramagem (IR).
Você pode ouvir o documentário clicando aqui.
Para a professora Esteves, que explica que o trabalho foi uma iniciativa de sua aluna Denise Corrêa, a qual ela orientou, a produção "vai ao encontro do que foi discutido no Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos contemporâneos, que é propor, entre outras coisas, rupturas com a visão imposta pelo nosso colonizador. Falar de um lugar especifico que é o período pós-colonialista ou decolonial, que vivemos hoje, nos provoca a pensar sobre a nossa visão de mundo eurocêntrica, sobre a nossa historia que nos é contada pela visão do colonizador. Isso precisa mudar, precisamos valorizar mais nossa cultura e dos nossos ancestrais, contar a nossa história com a nossa visão e assim tentar criar um ambiente mais plural e de respeito".
Acompanhe abaixo a entrevista com a estudante de Comunicação Social - Jornalismo Denise Corrêa, realizada pelo Instituto Ramagem (IR).
IR: Como surgiu em vocês essa preocupação com a morte de afro-religiosos em Belém?
Corrêa: Bom, a preocupação em tratar da temática sobre a
morte de afro-religiosos em Belém surgiu primeiramente a partir de uma
postagem que vi no Facebook sobre a morte do Pai Banjo, ou Nego Banjo,
como também era conhecido. E nessa postagem falava sobre as outras
mortes que já tinham ocorrido naquele ano (2016), mas que esses fatos
eram totalmente invisibilizados, segundo a postagem. Então, eu fui
procurar matérias jornalísticas sobre essas mortes e o pouco que
encontrei dentro dos meios de comunicação convencionais eram bastante
superficiais e traziam uma abordagem apenas factual, sem aprofundamento
no assunto. E nessa época, coincidiu de eu estar fazendo a disciplina de
radiojornalismo, ministrada pela Professora Lorena Esteves, que me
orientou neste trabalho, assim como o professor Arthur Leandro/ Tatá
Kinamboji que faz parte da comunidade afro-religiosa e pode me aproximar
das fontes e personagens que utilizei no audiodocumentário. Então, a
preocupação em abordar esse assunto foi ganhando cada vez mais força por
eu ter também uma proximidade com a comunidade afro religiosa por meio
do movimento negro, no qual faço parte aqui em Belém.
IR: Como vocês fizeram para configurar que estes crimes tinham relação com a religião, não uma mera coincidência?
Corrêa: Respondendo
a segunda pergunta, essa relação entre os crimes e a religião fica mais
evidente quando tive a oportunidade de ouvir os relatos das lideranças
afro religiosas para o audiodocumentário. Para eles, não há dúvidas. As
violências sofridas pelas comunidades afro-religiosas no dia a dia são
inúmeras e que vão desde a forma como as pessoas olham para eles quando
andam com as suas indumentárias na rua, passando por situações mais
graves como apedrejamentos de terreiros, pichações intolerantes no muro
de suas casas/terreiros, até chegar na maior violência enfrentada por
eles que é a morte. Então, todos esses fatos corroboram para que essa
relação seja estabelecida. Outro fator que coloca essa relação em
evidência, segundo o relato das lideranças entrevistadas é que não
haveria outro motivo para as mortes se não a intolerância na maioria dos
casos, pois eram pessoas que não tinham qualquer desavença ou
inimizades. O Nego Banjo é um exemplo.
IR: Quais
as dificuldades de acesso às informações no Sistema de Segurança
Pública sobre estes casos? E como vocês avaliam o desempenho do Sistema
de Segurança Pública nos casos de intolerância religiosa?
Corrêa: As
dificuldades de acesso são muitas. E essa dificuldade perpassa por
diferentes níveis, inclusive o racismo religioso é visível também dentro
do sistema de segurança pública por parte de profissionais, sejam
policiais, delegados, etc. No audiodocumentário, por exemplo, pude
entrevistar Mayume Banjo, esposa de Nego Banjo e ela relata a
dificuldade de registrar até o boletim de ocorrência para que a morte de
seu marido fosse investigada. Outra questão relatada no trabalho é que
muitas das ocorrências solicitadas pela comunidade afro religiosa como
casos de intolerância (os apedrejamentos aos terreiros, casos de sal
jogado em suas portas, caixas de som com louvores evangélicos em volume
máximo para atrapalhar os ritos, etc) são tidos por muitos policiais que
chegam ao local como apenas "briga de vizinhos", não levando em
consideração a relação de intolerância existente nessas brigas.
No
trabalho, eu pude entrevistar três pessoas ligadas à Segurança Pública:
Anna Lins, que atualmente é ouvidora da Segup, o delegado Jivago, da
Delegacia de Homicídios e que era responsável pela investigação da morte
de Nego Banjo e a delegada da Delegacia de Combate a Crimes
Discriminatórios e Homofóbicos, Hildenê Falqueto. A ouvidora Anna Lins
tem um envolvimento destoante dos demais por acreditar que esse racismo
religioso é real e que as mortes que ocorreram estão sim relacionadas a
isso. Já o Delegado Jivago, relata uma descrença nessa relação. A
Delegada Hildenê Falqueto apresenta dados de ocorrências registradas na
Delegacia: Durante todo o ano de 2015, apenas três ocorrências de
intolerância religiosa foram registrados, enquanto que nos primeiros
três meses de 2016 o mesmo número de ocorrências foi registrado,
significando um possível aumento no decorrer do ano, mas que ainda é
muito pouco considerando os relatos de violência sofridos diariamente
pelos afro religiosos. Porém, esse baixo número de registros de
ocorrência se justifica pela descrença (e medo de represálias) da
comunidade afro religiosa em prosseguir com as denúncias. Esse empasse e
todas esses obstáculos enfrentados dificulta a criação de dados mais
concretos sobre racismo e intolerância religiosa por parte da Segurança
Pública e consequentemente, invisibiliza a criação de políticas públicas
que possam reverter essa situação ou até mesmo qualificações
específicas para profissionais da segurança pública para que os casos
sejam devidamente tratados.
IR: Como se deu a execução do audiodocumentário? Qual a expectativa de vocês na divulgação deste trabalho?
Corrêa: A
execução do audiodocumentário foi bastante difícil no sentido de
conciliar esse projeto com as demais atividades da faculdade, o que fez
com que a expectativa criada não fosse superada da forma como eu queria.
Infelizmente, tive problemas pessoais que também comprometeram uma
melhor execução do trabalho durante o ano de 2016 e início de 2017, mas
que pretendemos reverter dando um melhor acabamento ao material e
atualizando os dados para 2017 também. As entrevistas colhidas são muito
ricas em informações e emoções e que precisam ser expostas para que a
contribuição no combate ao racismo religioso se concretize, pois este é o
objetivo do trabalho.
IR: Como vocês avaliam o fenômeno da intolerância religiosa e como vocês o relacionam com as religiões de matriz africana?
Corrêa: A
intolerância religiosa é um fenômeno crescente e alarmante em todo o
país, em especial com as religiões de Matriz Africana. O termo "Racismo
Religioso" é colocado pela comunidade afro religiosa porque desde a
chegada de negras e negros escravizados no país, as suas crenças e
expressividades religiosas foram criminalizadas e proibidas. Sabemos que
nesse período de colonização do Brasil, tanto negros quanto indígenas
foram obrigados a se adaptar a uma religiosidade cristã imposta pelo
colonizador branco e europeu. E até os dias de hoje, essa imposição
religiosa é refletida por meio desse racismo religioso que construiu um
imaginário de demonização e aversão às religiões de matriz africana na
sociedade brasileira. Podemos ver esse racismo religioso expresso em
cultos e músicas evangélicas que demonizam orixás e qualquer
expressividade afro religiosa, por exemplo. Podemos ver também esse
racismo religioso em dizeres populares como "Chuta, que é macumba",
"Estar com a pomba gira no corpo", e outras tantas que são extremamente
naturalizadas no nosso dia a dia. O desconhecimento sobre as religiões
de matriz africana ainda é gigantesco e o direito à liberdade de
consciência e de crença ainda é negado aos afro religiosos, mesmo sendo
previsto no artigo 5º da Constituição brasileira.
Você pode ouvir o documentário clicando aqui.