Ato durante a Cúpula Mundial de Defensores de Direitos Humanos em Paris, França. Foto OLIVIER PAPEGNIES / COLLECTIF HUMA
Essa é uma pergunta difícil, mas alguém precisa fazê-la. Em nosso site, você encontra alguns materiais
para entender melhor
mas, este ano, durante a Cúpula Mundial de Defensores dos Direitos
Humanos, perguntamos a 11 defensores de destaque qual a essência dos
direitos humanos. Eis o que responderam…
.
Anielle Franco, Brasil
Anielle é professora, jornalista
e ativista. Também é irmã de Marielle Franco, defensora de direitos
humanos assassinada a tiros em março deste ano. Anielle está determinada
a buscar justiça para a irmã e fala sobre o racismo e os desafios que
as mulheres negras enfrentam no Brasil.
Os direitos humanos dão a oportunidade
de defender aquilo em que realmente acreditamos. Para mim, o amor e a
educação estão na raiz dos direitos humanos. Eles podem nos proteger de
muitas coisas.
Marielle e eu nascemos defensoras dos
direitos humanos. Não tivemos escolha. Crescemos em favelas. Era
perigoso. Homens matavam suas esposas com frequência. Não podíamos
simplesmente ficar sentadas e testemunhar essa injustiça. Sabíamos que
tínhamos que fazer alguma coisa.
Minha irmã Marielle me ensinou muito —
tenho aprendido com ela desde que era adolescente. Quando me mudei para
os Estados Unidos, com 16 anos, ela disse: “Não importa aonde você vá,
sempre terá de lutar por alguma coisa”. Ela infundiu em mim o senso de
justiça e, a partir daí, me juntei à National Coalition of 100 Black
Women [Coalizão Nacional de 100 Mulheres Negras] e me formei jornalista.
Quando voltei ao Brasil, Marielle estava sempre lutando por algo. Não
importava onde eu estivesse, sempre a apoiava. Foi incrível ver a mulher
poderosa que ela se tornou. Ela lutou por justiça até o dia em que foi
assassinada.
Ser mulher negra no Brasil é
extremamente difícil. Somos as mais marginalizadas. Tenho consciência
das lutas que estão por vir e estou com medo. Não sei o que acontecerá a
seguir. Sei que vão tentar nos impedir e nos silenciar, mas temos que
nos unir. Não vamos desistir da luta.
.
Eva Lewis, EUA
Eva Lewis, 19, é uma ativista
pelos direitos humanos e artista da zona sul de Chicago, Illinois. Ela é
fundadora e CEO do projeto The I. Ah, já dissemos que ela é fantástica?
Os direitos humanos são as ferramentas
necessárias para construir a resistência. Se você não tem ferramentas,
não consegue construir nada. Para mim, a zona sul de Chicago é como um
aquário. Há muitos peixes e um só tipo de alimento. As pessoas não
conseguem construir seus próprios tanques, então estamos em um aquário,
dividindo um único espaço. Entretanto, se cada um de nós tivesse seu
próprio tanque, ficaríamos bem. Os direitos humanos são as ferramentas
de que precisamos para construir nossos próprios tanques.
Na condição de mulher negra, vivo em um
país que não tem o propósito de me beneficiar. Tendo sido criada na zona
sul de Chicago, isso ficou evidente. Membros da minha família estiveram
envolvidos com a ação das gangues; outros foram vitimados pela opressão
às pessoas negras de pele escura ou clara.
Para me libertar, eu sabia que teria de
buscar recursos, como uma boa educação. Minha mãe garantiu que eu
tivesse acesso a esses recursos, mas não sem luta. Todas as manhãs, eu
acordava às 5h para fazer o trajeto até a escola. Estava sobrevivendo
com quatro a cinco horas de sono por noite, mas não tinha escolha. Não
havia nenhuma escola de qualidade em minha região.
Frequentar a escola na zona norte de
Chicago me moldou como ativista de direitos humanos. Logo percebi que a
educação nos Estados Unidos é uma questão de justiça, não de igualdade.
Tinha o dever de me manifestar. Estar naquele espaço era um privilégio
adquirido e eu tinha de falar sobre as lutas que meu povo enfrenta. Ao
me manifestar, adquiri as habilidades de que precisava para ser uma
ativista.
Hoje participo da Instituição Ivy
League. Estou criando uma equipe de mulheres jovens de várias etnias
vindas de comunidades marginalizadas que combatem a opressão. Também
desenvolvi um projeto sem fins lucrativos chamado The I. É uma
iniciativa de ativismo por meio da arte e tenho verdadeiro orgulho dele.
.
Fred Bauma, RDC
Fred Bauma é líder do grupo
LUCHA por justiça social, direitos humanos e democracia que defende
mudanças na República Democrática do Congo. Ele foi preso em março de
2015, passou 18 meses na prisão e poderia ter enfrentado a pena de
morte. Após a pressão de organizações internacionais como a Anistia
Internacional, ele foi libertado em 2016.
Direitos humanos, para mim, são simples.
São as coisas que fazem você se sentir humano e fazem você considerar
que outra pessoa é tão humana quanto você. Isso não está nas leis ou nas
Nações Unidas, está no amor, na compaixão e na empatia.
Enquanto crescia, vi muita violência em
meu país. As pessoas sofriam e havia uma sensação de impotência. Muitas
pessoas foram deslocadas, eu inclusive. Não queria ver mais ninguém na
mesma situação e sabia que algo precisava mudar.
Por isso me tornei ativista de direitos humanos.
O primeiro desafio que tive de superar
foi a violência do Estado e a repressão. Vivencio isso todos os dias e
minha família também. Depois que fui preso, fui considerado perigoso.
Minha família e meus amigos tiveram muita coragem de lutar por mim,
mesmo que isso também afetasse o modo como eram vistos.
Tenho orgulho em ver que cidadãos do meu
povo estão começando a falar mais francamente, sem medo. A pressão
continua, mas ao menos eles estão cientes do poder que temos. Para mim,
trazer o poder de volta para o povo será a realização mais importante.
.
Vitalina Koval, Ucrânia
Vitalina Koval é uma incrível
ativista da comunidade LGBTI da Ucrânia. Co-fundou um centro comunitário
que oferece um espaço seguro para a população LGBTI e fala de maneira
destemida contra o ódio.
Para mim, os direitos humanos são valores básicos. São a base de uma sociedade aberta e inclusiva.
Eu me assumi como lésbica aos 25 anos.
Depois disso, percebi que não tinha nada mais para guardar para mim
mesma. Quis lutar pelos direitos das pessoas LGBTQI e das mulheres.
Soube que era uma defensora de direitos humanos depois de participar da
Revolução Dignidade [Revolução Ucraniana]. Passei duas semanas e meia
fazendo campanha na Maidan Nezalezhnosti [praça central de Kiev]. Isso
me moldou como ativista dos direitos humanos.
Há duas questões centrais na Ucrânia
atual e dois motivos pelos quais devemos continuar fazendo campanhas.
Primeiro, a atividade de grupos radicais de extrema direita ressurgiu
nos últimos anos. Nós, como defensores de direitos humanos, devemos
contra-atacar e proteger uns aos outros. Segundo, a polícia não consegue
processar as pessoas que cometem crimes contra ativistas. Quando essas
pessoas sentem a impunidade, cometem ainda mais violência. Temos que
agir pelo cumprimento das leis para criar uma legislação sobre o crime
de ódio.
Minha conquista pessoal é ter me
assumido como lésbica — não quis mais esconder isso. Tenho os mesmos
direitos que qualquer pessoa. Mereço ser feliz e viver livremente.
.
Dr. Mudawi Ibrahim Adam, Sudão
O defensor de direitos humanos e
engenheiro Mudawi Ibrahim Adam denunciou as violações de direitos
humanos em Dafur por anos. Foi preso várias vezes sob acusações ligadas a
seu trabalho pelos direitos humanos.
Para mim, direitos humanos são
igualdade, justiça, liberdade de associação, liberdade de não supressão
de direitos. É um direito à vida. Um direito à alimentação. Um direito à
moradia.
Cresci odiando a injustiça. Queria dar
apoio às pessoas necessitadas. E me vi combatendo a injustiça, me vi
como um ativista de direitos humanos. O Sudão é um país de diversidade,
com pessoas de muitas religiões e culturas. Eu vinha combatendo a
pobreza e as violações dos direitos humanos e lutando pela igualdade,
não era uma luta fácil. Passei parte da minha vida na prisão, negando
minha liberdade. Continuo orgulhoso do que realizei — especialmente
quando vejo o impacto que tive nos jovens e em sua determinação de
trabalhar pela justiça.
.
Lolita Chavez, Guatemala
Aura Lolita Chávez Ixcaquic,
conhecida como Lolita, é uma ativista pelos direitos das mulheres e
líder indígena guatemalteca que está liderando a luta para proteger suas
terras.
Os direitos humanos são justiça,
liberdade e uma maneira de vivermos juntos no mesmo mundo. É uma luta
não apenas pelas pessoas, mas pela natureza, as montanhas e os rios.
Minha mãe era uma defensora de direitos
humanos, então também me tornei uma. Minha aldeia estava sob ameaça e eu
sabia que precisava lutar. Empresas ainda estão tentando usurpar nossa
terra — elas a querem para ganhar dinheiro. Ousei falar abertamente, mas
agora estou impedida de voltar à minha aldeia. Recebi ameaças de morte,
fui acusada de coisas que não fiz. Não posso voltar.
.
Maria Munir, Reino Unido
Palestrante, defensora de
direitos humanos e pessoa brilhante, Maria Munir tem se manifestado em
relação a temas como direitos de pessoas transgênero e discriminação não
binária.
Direitos humanos são aquelas liberdades a
que todas as pessoas deveriam ter acesso igualmente para ter uma
oportunidade justa na vida. São as coisas básicas que dão a sustentação
que uma pessoa precisa para viver, como saneamento e moradia.
Quando falamos nesses termos, os
direitos humanos se tornam algo com que todos podem se identificar e
compreender. Isso ajuda a quebrar a barreira de que os direitos humanos
são algo que acontece em outro lugar. De fato, os direitos humanos são
algo a que todo ser humano tem direito.
Sempre tive um forte senso da
importância da igualdade. Todos têm o direito de acesso às informações.
Classe social, educação e dinheiro não devem impedir as pessoas de
entender como o mundo funciona e como podem garantir que seu lugar no
mundo seja protegido.
Um dos maiores desafios de ser defensora
de direitos humanos sou eu mesma. Tenho muitas dúvidas. Mesmo tendo
trabalhado muito, ainda duvido de mim mesma e questiono se sou boa o
suficiente. Agora, em vez de questionar se alguém poderia estar fazendo
algo melhor, pergunto: por que não há mais pessoas defensoras de
direitos humanos? Por que não permitimos que mais pessoas falem sobre
direitos humanos?
A primeira vez que me assumi como
não-binária foi diante do presidente Obama, durante uma sessão de
perguntas e respostas em Londres. No Reino Unido, não reconhecemos
pessoas não binárias nos termos da Lei da Igualdade, por isso, não temos
direitos. Eu pretendia perguntar a Obama sobre seus arrependimentos em
relação a intervir na Líbia, mas então ocorreu-me que aquele era um
momento perfeito para colocar em evidência uma questão que tem sido
frequentemente ignorada ou substituída por outras.
No entanto, eu não diria que o meu
“momento Obama” é a minha maior conquista. Para mim, é a quantidade de
pessoas que disseram que meu trabalho fez a diferença. Recebi muitas
mensagens no Twitter e e-mails e iniciei uma conversa que as pessoas não
tinham conseguido ter até agora. Essa é a coisa mais valiosa para mim!
.
Matthew Caruana Galizia, Malta
Jornalista vencedor do prêmio
Pulitzer, Matthew Caruana Galizia tem exigido justiça para sua mãe,
Daphne Caruana Galizia, que foi assassinada há um ano em Malta.
Direitos humanos são como o ar. Até que
eles sejam retirados, você não sabe os que tem. Você só percebe quão
necessários são quando o ar é retirado e você não pode mais respirar.
Não decidi me tornar um ativista. Não
foi minha escolha. Minha mãe e eu éramos jornalistas, mas chegamos ao
ponto em que estávamos sob um ataque tão pesado que passávamos a maior
parte do tempo defendendo nosso trabalho para justificar nossa
existência.
Minha mãe foi assassinada simplesmente
por fazer o trabalho de jornalista. Enquanto seu assassinato estava
sendo preparado, ela esteva sob ataque constante. Enfrentou mais de 50
processos civis ou criminais de difamação e suas contas bancárias foram
congeladas por nosso governo.
Corrupção e impunidade são problemas
permanentes em Malta. Essa é a raiz de tudo. Nós fazemos reportagens
sobre políticos corruptos, mas nada acontece. Eles se beneficiam da
impunidade e depois nos atacam. No final, isso leva ao assassinato de
uma jornalista.
O trabalho de um defensor dos direitos humanos não é algo que faço por escolha. É algo que preciso fazer.
.
Nurcan Baysal, Turquia
Nurcan Baysal é uma defensora
curda de direitos humanos e jornalista de Diyarbakir, na região curda da
Turquia. Nurcan enfrentou ameaças de morte, recebeu mensagens abusivas e
foi detida pelas autoridades. Apesar de tudo, Nurcan está determinada a
continuar lutando.
Direitos humanos são algo tão básico,
mas tão importante. Sem direitos não somos nada. Se você não pode falar,
se você não pode ver, ou dizer o que você está pensando, se você não
pode sair e protestar, usar seu próprio idioma ou se reunir com seus
próprios amigos para se manifestar, qual é o sentido? A vida só é
significativa com os nossos direitos!
Venho protegendo os direitos de mulheres
e crianças por mais de 20 anos. Sou jornalista em primeiro lugar, mas
também sou defensora de direitos humanos.
Houve guerra em nossa região há mais de
40 anos. Faço parte da segunda ou terceira geração de pessoas curdas que
cresceram em meio à guerra. Não quero que meus filhos tenham a mesma
vida. É por isso que estou pedindo paz e trabalhando para garantir que
os direitos da comunidade sejam protegidos. Não foi uma tarefa fácil.
Enfrentei muitos desafios, principalmente do Estado turco. Minha
existência é um problema para aqueles que estão no poder.
Quando os toques de recolher foram
impostos, a mídia turca fechou totalmente os olhos para o que estava
acontecendo em nossa região. Eu era uma das poucas pessoas que
informavam ao público turco sobre o que estava realmente acontecendo.
Tentei fazer a diferença de verdade — e, olhando para trás, sinto que
salvamos algumas pessoas.
.
Phylesha Brown-Acton, Ilha Niue e Nova Zelândia
Phylesha Brown-Acton trabalhou
na área de HIV e em nome das comunidades LGBTI por mais de 20 anos. Ela
também é co-presidente da Asia Pacific Transgender Network (Rede
Transgênero da Ásia-Pacífico, APTN na sigla em inglês) e diretora da
F’INE Pasifika Aotearoa, na Nova Zelândia.
O que são direitos humanos? É uma
questão básica, mas capciosa. Os direitos humanos significam tantas
coisas para tantas pessoas diferentes. Para mim, os direitos humanos são
para todas as pessoas, para garantir que estejam protegidas, seguras e
usufruam das mesmas oportunidades.
Nasci defensora de direitos humanos.
Como criança, jovem, adulta, mulher trans e ativista indígena, sempre
tive algo a dizer. Acredito em defender as causas em que acredito. Venho
de uma longa linhagem de mulheres fortes que foram a espinha dorsal do
alicerce cultural e comunitário. Elas têm sido a força que por muito
tempo me sustentou e me encorajou a me manifestar.
Enfrentei muitos desafios durante a
minha vida. Eu sou uma mulher trans — preciso dizer mais? Se você
entende minha realidade como mulher trans, o maior desafio é ter que
lidar com pessoas me redefinindo. Muitas pessoas não podem aceitar ou
entender que a noção de gênero não é tão binária quanto pensam que é.
Além de estar viva, tenho muitas
conquistas. Uma delas é poder participar da segunda Cúpula Mundial dos
Defensores dos Direitos Humanos. Sou a única que representa a região do
Pacífico Sul. Sou apenas uma voz da região, mas espero abrir portas para
outras.
.
Han Hui, Cingapura
Han Hui é blogueira e defensora
dos direitos humanos. Ela usa seu blog e as mídias sociais para destacar
falhas nos serviços sociais, além de ampliar a consciência pública
sobre violações dos direitos humanos em Cingapura. Foi agredida
fisicamente, assediada, presa e mantida em confinamento solitário apenas
por se manifestar.
Como cingapuriana, acredito que direitos
humanos são coisas concretas. A capacidade de ter moradia adequada para
as famílias morarem. Cuidados médicos adequados para que as pessoas não
tenham medo de adoecer e morrer. E pensões adequadas para que todos
possam desfrutar de sua era dourada quando estiverem aposentados.
Não me considero uma defensora de
direitos humanos. Sou apenas uma cidadã comum de Cingapura, que quer
escrever sobre a própria vida e sobre o sistema educacional em meu país.
Mas escrever em blogs sobre o sistema educacional em Cingapura me
colocou em apuros.
Em 2013, o governo de Cingapura me
enviou uma carta acusando-me de difamação. Fiquei muito assustada. Não
tinha recursos para lutar contra o governo. Comecei a procurar além das
fronteiras, e foi quando percebi que havia algo chamado liberdade de
expressão e que eu tinha o direito de questionar o governo.
Continuei escrevendo no blog, mas
enfrentei muitos abusos. As pessoas questionaram se eu era uma garota.
Acham que as garotas só deveriam se concentrar em roupas e maquiagem —
acham que não temos inteligência para escrever também.
Ainda enfrento assédio. Fui proibida de
organizar um evento em Cingapura. Passei algum tempo em confinamento
solitário e enfrentei deportação. No final, sou apenas uma pessoa
curiosa que quer promover a conscientização.
Fonte:
Anistia Internacional