Os depoimentos citados nesta página são de
cidadãos paraenses adeptos e praticantes de religiões de matrizes
africanas e vítimas do preconceito que atinge a integridade social e a
intimidade de muita gente. Desrespeitos que violam a constituição, que
prevê a livre manifestação religiosa de cada um.
Segundo a Comissão de Liberdade Religiosa da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), consta que 90% dos casos de
discriminação e intolerância religiosa no país, levantados em estudos,
são contra pessoas adeptas da umbanda ou candomblé. Um dado alarmante
cada vez mais comum dentro do ambiente de trabalho.
Constrangimentos, críticas, ofensas morais e
verbais e até demissões por causa de religião e discriminação velada
são os casos mais comuns que trabalhadores relataram à reportagem. Um
dos casos, terminado em demissão, ocorreu há cerca de um mês com
Jacqueline Martins, umbandista, que após um ano e sete meses de trabalho
saiu do emprego em menos de uma semana após o chefe descobrir sua
vocação religiosa.
“Eu trabalhava em um consultório
odontológico, como secretária. Obrigatoriamente eu tenho que usar o
branco na sexta-feira, em respeito a Oxalá. Ai, o meu patrão começou a
observar que eu andava de branco nesse dia, e as minhas colegas não,
porque não é obrigado usar uniforme”, lembra. “Ele foi me perguntar , eu
expliquei que eu era afro-brasileira e ele simplesmente fez uma cara
assim, de tudo bem, mas em seguida ele me demitiu dizendo que precisava
reduzir gastos”.
Quando voltou na empresa para fazer os
exames demissionários, já tinha outra pessoa no lugar. “Então ficou
claro que eu fui demitida por ser afro-brasileira”, descreveu
Jacqueline, lembrando que o ex-patrão é cristão evangélico.
OUTROS CASOS
Lucas Irain, do mesmo terreiro frequentado
por Jacqueline, relatou casos de discriminação ocorrido com outros
irmãos. Um deles teve a proposta de deixar a religião como moeda de
troca para ser admitido em um estabelecimento de ensino. “Um irmão de
santo que é professor, é formado em letras, espanhol, colocou o
currículo em uma escola privada. Durante entrevista perguntaram qual era
a religião e ele informou que era de matriz africana”, explica. "A
pessoa disse que ele devia deixar de ser da religião afro para ser
contratado".
Os dois casos são exemplos práticos de
importuno ao direito do culto religioso conforme está estabelecido no
artigo 5º, inciso VI da Constituição Federal. Nela está impresso que “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença”.
A empresária Fabíola Vulcão, também
umbandista, conta que já chegou a perder clientes na sua imobiliária por
causa da religião que pratica. “Já aconteceu de descobrirem, deixarem
de trabalhar pra mim ou deixa de trabalhar comigo. Eu perco parcerias”,
diz. “Tem gente que deixa de entrar em elevador comigo ao saber que eu
sou da umbanda”.
(Foto: Ricardo Amanajás/Diário do Pará)
"Existe um medo de perder o emprego ao denunciar o preconceito sofrido"
A reportagem entrevistou Emerson Lima,
presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB, criada há seis
anos e hoje uma das mais importantes entidades ligadas ao trabalho, que
debate e combate à discriminação religiosa no Pará.
P O que é a Comissão de Intolerância Religiosa da OAB e como atua?
R O foco principal da comissão é o combate à
intolerância religiosa praticada em todas as religiões possíveis
praticadas no Estado do Pará, que juntamente com a Comissão de Igualdade
Racial, se unem para combater o racismo religioso.
P Como se configura a intolerância religiosa?
R A intolerância religiosa é um conjunto de
atos que vai desde a discriminação pela sua crença desde a discriminação
para não opção de crença. E 90% dos atos de intolerância religiosa são
praticadas contra religiões de matrizes africanas que vão desde criticar
as vestimentas, o credo religioso, passando até por situações adversas a
chegar ao ponto de ameaças de morte, violência, lesões corporais e
verbais.
P Como as denúncias chegam até vocês?
R Bem as denúncias chegam de diversas formas
desde formalmente protocoladas para a OAB até por meio das mídias
sociais, até por meio de conhecimento de terceiros. Quando a OAB recebe
essas denúncias por meio de protocolo é encaminhado para a Comissão e ai
nós avaliamos as medidas a serem tomadas. Desde ser encaminhada ao
Ministério Público, através de um relatório, até para a autoridade
competente, no caso para a polícia.
P Qual a dificuldade das pessoas em reconhecer a intolerância religiosa?
R A dificuldade que a Comissão encontra, na
verdade, é falta de conhecimento, as pessoas não sabem dos seus
direitos, a pessoa desconhece que aquela violência ela deve ser
repreendida, ela deve ser tratada como caso de intolerância. Fica
difícil mapear atos de intolerância religiosa quando a vítima sequer
conhece o seu direito a ser tutelado, sequer conhece como proceder.
P Por que ainda são poucas as denúncias de Intolerância Religiosa no ambiente de trabalho?
R Existe outra situação no ambiente de
trabalho que é a perda do emprego. A pessoa fica com medo, fica receosa
de que uma denúncia sobre o tema, denúncia contra o seu patrão, contra o
seu colega de trabalho vá fazer com que ela pegue uma justa causa, seja
demitida até mesmo sem justa causa e ela acaba absorvendo a violência
para garantir o bem maior, no entendimento dela, que seria o emprego.
P Como e a quem denunciar?
R Existem três caminhos: O primeiro é
diretamente conosco na OAB, e ai a Comissão faz uma reunião, conversa em
particular e permite e tenta viabilizar uma forma de sustar esse
quadro, ou então ele pode ir à delegacia especializada ou diretamente no
Ministério Público, sempre vai ter essas opções para a pessoa. Pode
fazer ocorrência também pelo Disque-Denúncia, pelo 190 da Polícia.
(Kleberson Santos/DOL)
Fonte: Diário do Pará Online