Florianópolis - A fiscalização municipal de
Florianópolis não pode restringir o culto a religiões de matriz africana
com base no horário nem em exigências para que os terreiros se adequem
às normas de funcionamento de bares e estabelecimentos similares. É o
que determina uma sentença emitida em 28 de setembro pela 6ª Vara
Federal de Florianópolis. A decisão resulta de uma ação civil pública
que a Defensoria Pública da União (DPU) interpôs após a constatação de
que a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) vinha aplicando
multas a centros de umbanda, determinando “suspensão da atividade
poluidora” sonora e obrigando as casas a adquirirem Certidão de
Tratamento Acústico.
A sentença também considera inconstitucional a Lei Complementar
municipal 479/2013, que autoriza centros de religiões de matrizes
africanas a realizarem suas atividades até as 2h do dia seguinte. Na
decisão, a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, da 6ª Vara Federal de
Florianópolis, afirmou que a norma possui “natureza discriminatória” por
limitar apenas o funcionamento dos centros de umbanda, e não das
manifestações religiosas como um todo.
São 109 terreiros na cidade que serão beneficiados pela decisão
judicial. O levantamento, feito pela Universidade Federal de Santa
Catarina em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), faz parte do estudo antropológico Territórios do Axé,
iniciado em julho de 2016. Em dezembro daquele ano, a juíza Marjôrie
Cristina Freiberger reafirmou a importância da conclusão da pesquisa
para o julgamento da ação judicial em curso. Os dados colhidos apontam
que 80,47% das 210 casas entrevistadas já sofreram alguma forma de
intolerância. Além de Florianópolis, foram levados em conta os centros
em Biguaçu, Palhoça e São José.
As restrições sofridas por praticantes de cultos afro-brasileiros
foram denunciadas à DPU pelo Fórum de Religiões de Matriz Africana. Na
petição inicial enviada em novembro de 2015 à Justiça, o defensor
público federal Fabiano Schutz Ferraro solicitou que, por decisão
liminar, a administração municipal fosse proibida de impedir a
“realização de cultos, festividades ou cerimônias nos Templos
afro-brasileiros”, sendo respeitados seus “rituais, rezas e demais
expressões”. A juíza indeferiu o pedido de liminar, que disse poder ser
reavaliada após a manifestação dos réus.
Incoerência
A DPU apresentou um exemplo de como a fiscalização, da forma como
vinha sendo feita pela Prefeitura, poderia ser enquadrada como ilegal.
Trata-se de uma autorização emitida pela Floram para a realização de um
evento religioso de matriz africana. O evento, que aconteceria em
dezembro de 2015, foi autorizado considerando-se somente os limites de
ruídos trazidos pela tabela da Lei Complementar 003/1999. Este anexo da
norma estipula que dentro daquele zoneamento as emissões sonoras
poderiam ter até 60 decibéis durante o período diurno; durante o período
vespertino, 55; e durante o noturno, 50. No entanto, o artigo 8º da
mesma lei afirma que se eximem das proibições “templos de qualquer
culto, desde que não ultrapassem os limites de 65 decibéis nos períodos
diurno e vespertino; e no período noturno enquadrem-se na Tabela I”. Uma
incoerência, na visão da instituição.
Em outubro de 2016, a DPU levou a conhecimento da Justiça novas
autuações que o Município aplicou a terreiros. As alegações da
Prefeitura referiam-se ao barulho excessivo emitido pelos centros
religiosos. Todavia, não foi feita “qualquer medição por aparelho
homologado pelo INMETRO”. De acordo com Vanda Pinedo, representante do
Fórum de Religiões de Matriz Africana, “muitos terreiros não têm medição
[sonora] e foram abordados às 8h, 9h da noite. Todas as outras
religiões professam suas fés, fazem caminhadas, tocam seus sinos, tocam
instrumentos de metais, e nós temos instrumentos legítimos.” Ela
ressalta o tambor como um elemento essencial dos cultos
afro-brasileiros. “Retirar o tambor de nossa prática (…) é refutar a
fundamentação e a sobrevivência da nossa religião”.
Processo
Em dezembro de 2016, as partes envolvidas no processo participaram de
uma audiência de conciliação, sem sucesso. Após cinco meses, a DPU, a
Floram, o Ministério Público Federal (MPF), a Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e representantes religiosos realizaram uma reunião
em que se comprometeram a buscar uma solução para cessar “os
procedimentos de autuação referentes à poluição sonora” dos terreiros.
Após a Justiça determinar a apresentação de alegações finais, em
outubro de 2017, a DPU se posicionou contra a exigência de alvarás para
funcionamento das casas com os mesmos requisitos de bares e similares;
contra a limitação de funcionamento até as 2h; e a favor de que
eventuais autuações somente ocorressem com a efetiva medição de
decibéis, com a “deliberação conjunta de regras que estabeleçam dias e
horários para cerimônias com atabaques e outros que possam causar
poluição sonora”.
A juíza Marjôrie Freiberger emitiu a sentença em 28 de setembro deste
ano, determinando o fim da limitação de funcionamento por horário e o
fim da exigência para Certidões de Tratamento Acústico que impeçam a
realização de cerimônias religiosas. A Certidão só pode ser demandada se
os decibéis previstos no artigo 8º da Lei 003/1999 forem excedidos,
verificação que deve ser realizada por meio de medição efetiva. A
medição também é imprescindível para qualquer eventual sanção devido ao
excesso de ruído. Além disso, a juíza afastou a exigência de alvarás com
os mesmos requisitos de bares e similares e reafirmou o direito de os
centros religiosos utilizarem velas e incensos durante os cultos.
Foto de capa cedida por Vitor Shimomura.
CMP/RRD
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União
Foto de capa cedida por Vitor Shimomura.
CMP/RRD
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União
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