Mesmo presente em mais de 139 países, a Igreja Anglicana não permite a
ordenação de mulheres em todos eles. Por exemplo, na Grã-Bretanha, berço
do anglicanismo, a primeira bispa da Igreja da Inglaterra, Libby Lane,
só foi sagrada no ano de 2015, pois lá não eram admitidas mulheres no
episcopado. O ordenamento de uma bispa é um acontecimento de grande
importância porque enaltece a igualdade de gênero numa instituição
religiosa milenar.
Quando tinha quatro anos de ordenada, a Marinez foi escolhida para ser
deã, a responsável máxima de um órgão colegial da Igreja, da Catedral
Nacional da Santíssima Trindade, em Porto Alegre, cargo que ocupou por
vários mandatos. Agora, a reverenda está ansiosa para sua sagração, e se
diz muito feliz em participar de um momento tão importante.
Tome nota!
Nascida no Rio Grande do Sul, a reverenda Marinez Bassotto foi
escolhida em Concilio Extraordinário da Diocese Anglicana da Amazônia em
20 de janeiro de 2018. Como sempre ocorre nas igrejas de tradição
apostólica, a sagração dela como bispo ou bispa se deu com a imposição
das mãos de no mínimo três bispos. A Diocese Anglicana da Amazônia, que
será coordenada pela bispa Marinez, é uma unidade eclesiástica da Igreja
Anglicana que abrange os estados do Pará, Amapá, Roraima, Amazonas e
Acre. A sede da Diocese é a Catedral Anglicana de Santa Maria,
localizada na avenida Serzedêlo Corrêa, 514, local da sagração da futura
bispa.
A seguir, confira a entrevista dela para o site do CONIC:
Vou iniciar falando um pouquinho de mim, porque creio que somos
fruto de nossas vivências. Eu sou clériga da IEAB e servia à Igreja na
Diocese Meridional. Agora, estou residindo em Belém do Pará, no Norte do
Brasil.
Eu sou fruto do trabalho missionário da IEAB. Nasci no interior da
cidade de Canguçu, RS, em uma área missionária. Meus avós foram membros
fundadores de uma destas missões. Cresci e fui me sentindo, desde muito
cedo, vocacionada ao ministério. Em 1991, segui para Porto Alegre, para
estudar Teologia (no então Seminário Nacional da IEAB). Fui ordenada
como diácona em 14 de maio de 1995 e como presbítera em 17 de março de
1996 ambas as ordenações aconteceram na Catedral da Santíssima Trindade,
em Porto Alegre; a qual, em 1999, assumi como deã, com 4 anos de
ministério e 28 anos de vida, tornando-me a primeira mulher a assumir a
Catedral da Diocese Meridional e a segunda mulher a assumir uma Catedral
na IEAB. Servi a Deus ao longo de 17 anos à frente desta Catedral (que é
também a Catedral Nacional da IEAB) e depois fui desenvolver meu
ministério na Paróquia São Paulo, na cidade de Cachoeirinha, e na Missão
do Natal, na cidade de Glorinha, ambas na região metropolitana de Porto
Alegre.
1) Como você recebeu a notícia de que seria a primeira bispa da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB)?
R: Recebi com muita alegria e ao mesmo tempo muito consciente do compromisso que assumo.
Para mim, está muito claro que o episcopado é um sacerdócio, uma
oportunidade de serviço (Diaconia!). Jamais uma honra ou um status.
Ao participar do processo de eleição na Diocese Anglicana da
Amazônia eu tinha plena consciência de que disponibilizava meu nome
também em favor da ordenação feminina, pois, agora no mês de maio deste
ano de 2018, completaremos 33 anos de ordenação feminina no Brasil.
Nossa Igreja brasileira foi ousada e inovadora ao possibilitar às
mulheres, desde o início, o acesso às três ordens sagradas. Mesmo assim,
nestes quase 33 anos, não havia tido a coragem profética de eleger
nenhuma mulher ao episcopado. Era já chegada a hora de romper essa
barreira – com a eleição um novo tempo com maior equidade de gênero foi
inaugurado – espero que esta tenha sido a primeira de muitas que virão!
2) Historicamente, a IEAB tem sido considerada uma igreja
progressista, seja no aspecto teológico, social ou moral. Essa eleição
pode ser vista como uma continuidade desse processo?
R: Sim, eu creio nisso. Creio também que esta
eleição traz novos ares, é como uma brisa perfumada que sopra a partir
da Amazônia, como eu mencionei acima a inauguração de um novo tempo para
a vida Igreja com a superação das dúvidas e temores que haviam diante
da novidade de um episcopado feminino. Penso que com esse passo a IEAB
aproximou grandemente sua prática de seu discurso, pois somos de fato
uma Igreja progressista teológica, social, e moralmente, mas ainda não
tínhamos conseguido dar esse passo decisivo em direção a
justiça/equidade de gênero. Agora com alegria podemos dizer que essa
barreira foi quebrada e em breve poderemos ter outras bispas sendo
eleitas na IEAB. Sei que as novidades trazem consigo receios e
incertezas. Tudo o que não conhecemos nos causa insegurança, mas o que
vimos acontecer após a eleição foi uma explosão de alegria e de festa!
3) Como as demais igrejas da Comunhão Anglicana viram a sua eleição?
R: A Comunhão Anglicana é muito diversificada, e
nós anglicanos e anglicanas costumamos afirmar que vivemos a unidade na
diversidade, então, creio deve ter havido diferentes percepções em
diferentes partes da Comunhão Anglicana, mas todas as manifestações
foram de júbilo. Outro ponto que me parece importante é que quando uma
província na Comunhão Anglicana elege uma mulher ao episcopado isto
serve de estímulo para as lutas das mulheres por espaço equânimes em
outras províncias, então a eleição de uma mulher para o episcopado no
Brasil fortalece a luta das mulheres em toda a América do Sul. Tem
também o fato de eu ser a segunda mulher bispa na América Latina, ou
seja, é força e amparo também neste sentido, assim como aqui na IEAB
mesmo creio que a partir deste passo será menos difícil eleger outras
mulheres.
4) Há resistências, mesmo entre os anglicanos, quando o
assunto é ordenação feminina. Como você, pessoalmente, lida com essa
questão?
R: Creio que todas nós, mulheres, lidamos com
isso em maior ou menor grau. Mas, ao mesmo tempo, estou segura que
haverá muito apoio tanto de mulheres companheiras de luta e ministério,
quanto das leigas, assim como também haverá muito apoio dos homens. Sei
que há grandes expectativas, assim como acontece em outros cargos e
funções tidos como “masculinos” que são assumidos por mulheres. Mas
assumirei com coragem, esperança e fé, aceitando as consequências e os
riscos desta escolha e me dispondo a realizar junto ao clero e povo da
Diocese Anglicana da Amazônia a difícil tarefa de ser cristã.
5) O empoderamento da mulher no ambiente eclesial ainda é uma
realidade distante em algumas denominações cristãs. Isso ocorre seja por
interpretações de versículos bíblicos, seja por contextos culturais.
Diante desse cenário, como fazer para que a mulher ocupe mais espaços
nas igrejas?
R: De fato vivemos em uma sociedade que
discrimina e violenta as mulheres, desrespeita seus direitos e
criminaliza suas lutas. E em nossa realidade brasileira estamos sofrendo
com a perda de direitos de toda ordem, são tempos sombrios. Muitas
denominações cristãs (ou grupos conservadores dentro delas),
infelizmente de diversas formas e em inúmeras vezes, justificam essa
discriminação e até reforçam a subjugação feminina usando a Bíblia como
justificativa. Penso que devemos fazer o já estamos fazendo, criar
espaço de discussão, formação e capacitação de mulheres dentro de nossas
Igrejas e nos movimentos ecumênicos e apoiar e incentivar os movimentos
sociais de resistência e luta por direitos, dentre eles aqueles
movimentos que buscam resguardar os direitos das mulheres e que fazem
enfrentamento e prevenção à violência contra as mulheres e meninas.
Neste sentido temos na IEAB o Serviço Anglicano de Diaconia e
Desenvolvimento (SADD) que é um importante instrumento de apoio no
enfrentamento às desigualdades, principalmente às desigualdades de
gênero.
6) Gostaria de acrescentar algo?
R: Sim. Eu gostaria ainda de dizer que a Diocese
Anglicana da Amazônia é uma jovem Diocese, com uma área territorial
extensa, mas a igreja ainda é pequena. Composta por um povo
hospitaleiro, em uma região culturalmente riquíssima onde há muitas
cores, cheiros e gostos que só se podem ser compreendidos estando lá.
Uma região riquíssima, mas onde há muitas desigualdades sociais.
Certamente existem várias necessidades, anseios e preocupações e
são inúmeros os desafios para a proclamação e vivência do evangelho na
Região da Amazônia e para ser Igreja de Cristo, missionária, inculturada
e profética no meio deste povo. Vejo como alguns destes desafios a
necessidade de que a Igreja seja cada vez mais próxima da realidade onde
está inserida, e que responda às necessidades deste povo tão sofrido.
Que celebre conjuntamente no partir o pão, nas orações e nas relações.
Que se fortaleça permanentemente na vivência comunitária, no desejo de
aprender conjuntamente sobre o amor de Deus e que assuma o compromisso
de partilhar esse amor no serviço às pessoas. Que seja verdadeiramente
inclusiva e acolhedora, que testemunhe o direto à justiça e à dignidade
humana, e que viva o ecumenismo.
Respeito e me sinto profundamente identificada com a forma como
nosso povo anglicano vivencia a Igreja na Amazônia e sei que muito terei
a aprender e crescer com eles e elas. E me disponho e sonhar com o povo
da Amazônia e a com eles e elas caminhar lado a lado na construção
permanente do Reinado de Deus para que se torne cada vez mais uma
realidade.
CONIC com informações do portal ORM
Foto: Reprodução IEAB
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