sexta-feira, 20 de abril de 2018

Igreja Anglicana em Belém sagra a primeira bispa da América do Sul

 
 
Um importante evento para a Igreja Anglicana no Brasil ocorre em Belém no próximo sábado, 21 de abril. A sagração da reverenda Cônega Marinez Rosa Bassotto, às 18h, na Catedral Anglicana de Santa Maria, em Batista Campos. A reverenda Marinez é a primeira mulher eleita a ser elevada ao episcopado na América do Sul e será a nova bispa da Diocese Anglicana da Amazônia.
Mesmo presente em mais de 139 países, a Igreja Anglicana não permite a ordenação de mulheres em todos eles. Por exemplo, na Grã-Bretanha, berço do anglicanismo, a primeira bispa da Igreja da Inglaterra, Libby Lane, só foi sagrada no ano de 2015, pois lá não eram admitidas mulheres no episcopado. O ordenamento de uma bispa é um acontecimento de grande importância porque enaltece a igualdade de gênero numa instituição religiosa milenar.
 
Quando tinha quatro anos de ordenada, a Marinez foi escolhida para ser deã, a responsável máxima de um órgão colegial da Igreja, da Catedral Nacional da Santíssima Trindade, em Porto Alegre, cargo que ocupou por vários mandatos. Agora, a reverenda está ansiosa para sua sagração, e se diz muito feliz em participar de um momento tão importante.
 
Tome nota!
 
Nascida no Rio Grande do Sul, a reverenda Marinez Bassotto foi escolhida em Concilio Extraordinário da Diocese Anglicana da Amazônia em 20 de janeiro de 2018. Como sempre ocorre nas igrejas de tradição apostólica, a sagração dela como bispo ou bispa se deu com a imposição das mãos de no mínimo três bispos. A Diocese Anglicana da Amazônia, que será coordenada pela bispa Marinez, é uma unidade eclesiástica da Igreja Anglicana que abrange os estados do Pará, Amapá, Roraima, Amazonas e Acre. A sede da Diocese é a Catedral Anglicana de Santa Maria, localizada na avenida Serzedêlo Corrêa, 514, local da sagração da futura bispa. 
 
A seguir, confira a entrevista dela para o site do CONIC:
 
Vou iniciar falando um pouquinho de mim, porque creio que somos fruto de nossas vivências. Eu sou clériga da IEAB e servia à Igreja na Diocese Meridional. Agora, estou residindo em Belém do Pará, no Norte do Brasil.
 
Eu sou fruto do trabalho missionário da IEAB. Nasci no interior da cidade de Canguçu, RS, em uma área missionária. Meus avós foram membros fundadores de uma destas missões. Cresci e fui me sentindo, desde muito cedo, vocacionada ao ministério. Em 1991, segui para Porto Alegre, para estudar Teologia (no então Seminário Nacional da IEAB). Fui ordenada como diácona em 14 de maio de 1995 e como presbítera em 17 de março de 1996 ambas as ordenações aconteceram na Catedral da Santíssima Trindade, em Porto Alegre; a qual, em 1999, assumi como deã, com 4 anos de ministério e 28 anos de vida, tornando-me a primeira mulher a assumir a Catedral da Diocese Meridional e a segunda mulher a assumir uma Catedral na IEAB. Servi a Deus ao longo de 17 anos à frente desta Catedral (que é também a Catedral Nacional da IEAB) e depois fui desenvolver meu ministério na Paróquia São Paulo, na cidade de Cachoeirinha, e na Missão do Natal, na cidade de Glorinha, ambas na região metropolitana de Porto Alegre.
 
1) Como você recebeu a notícia de que seria a primeira bispa da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB)?
 
R: Recebi com muita alegria e ao mesmo tempo muito consciente do compromisso que assumo.
 
Para mim, está muito claro que o episcopado é um sacerdócio, uma oportunidade de serviço (Diaconia!). Jamais uma honra ou um status.
Ao participar do processo de eleição na Diocese Anglicana da Amazônia eu tinha plena consciência de que disponibilizava meu nome também em favor da ordenação feminina, pois, agora no mês de maio deste ano de 2018, completaremos 33 anos de ordenação feminina no Brasil. Nossa Igreja brasileira foi ousada e inovadora ao possibilitar às mulheres, desde o início, o acesso às três ordens sagradas. Mesmo assim, nestes quase 33 anos, não havia tido a coragem profética de eleger nenhuma mulher ao episcopado. Era já chegada a hora de romper essa barreira – com a eleição um novo tempo com maior equidade de gênero foi inaugurado – espero que esta tenha sido a primeira de muitas que virão!
 
2) Historicamente, a IEAB tem sido considerada uma igreja progressista, seja no aspecto teológico, social ou moral. Essa eleição pode ser vista como uma continuidade desse processo?
 
R: Sim, eu creio nisso. Creio também que esta eleição traz novos ares, é como uma brisa perfumada que sopra a partir da Amazônia, como eu mencionei acima a inauguração de um novo tempo para a vida Igreja com a superação das dúvidas e temores que haviam diante da novidade de um episcopado feminino. Penso que com esse passo a IEAB aproximou grandemente sua prática de seu discurso, pois somos de fato uma Igreja progressista teológica, social, e moralmente, mas ainda não tínhamos conseguido dar esse passo decisivo em direção a justiça/equidade de gênero. Agora com alegria podemos dizer que essa barreira foi quebrada e em breve poderemos ter outras bispas sendo eleitas na IEAB. Sei que as novidades trazem consigo receios e incertezas. Tudo o que não conhecemos nos causa insegurança, mas o que vimos acontecer após a eleição foi uma explosão de alegria e de festa!
 
3) Como as demais igrejas da Comunhão Anglicana viram a sua eleição?
 
R: A Comunhão Anglicana é muito diversificada, e nós anglicanos e anglicanas costumamos afirmar que vivemos a unidade na diversidade, então, creio deve ter havido diferentes percepções em diferentes partes da Comunhão Anglicana, mas todas as manifestações foram de júbilo. Outro ponto que me parece importante é que quando uma província na Comunhão Anglicana elege uma mulher ao episcopado isto serve de estímulo para as lutas das mulheres por espaço equânimes em outras províncias, então a eleição de uma mulher para o episcopado no Brasil fortalece a luta das mulheres em toda a América do Sul. Tem também o fato de eu ser a segunda mulher bispa na América Latina, ou seja, é força e amparo também neste sentido, assim como aqui na IEAB mesmo creio que a partir deste passo será menos difícil eleger outras mulheres.
 
4) Há resistências, mesmo entre os anglicanos, quando o assunto é ordenação feminina. Como você, pessoalmente, lida com essa questão?
 
R: Creio que todas nós, mulheres, lidamos com isso em maior ou menor grau. Mas, ao mesmo tempo, estou segura que haverá muito apoio tanto de mulheres companheiras de luta e ministério, quanto das leigas, assim como também haverá muito apoio dos homens. Sei que há grandes expectativas, assim como acontece em outros cargos e funções tidos como “masculinos” que são assumidos por mulheres. Mas assumirei com coragem, esperança e fé, aceitando as consequências e os riscos desta escolha e me dispondo a realizar junto ao clero e povo da Diocese Anglicana da Amazônia a difícil tarefa de ser cristã.
 
5) O empoderamento da mulher no ambiente eclesial ainda é uma realidade distante em algumas denominações cristãs. Isso ocorre seja por interpretações de versículos bíblicos, seja por contextos culturais. Diante desse cenário, como fazer para que a mulher ocupe mais espaços nas igrejas?
 
R: De fato vivemos em uma sociedade que discrimina e violenta as mulheres, desrespeita seus direitos e criminaliza suas lutas. E em nossa realidade brasileira estamos sofrendo com a perda de direitos de toda ordem, são tempos sombrios. Muitas denominações cristãs (ou grupos conservadores dentro delas), infelizmente de diversas formas e em inúmeras vezes, justificam essa discriminação e até reforçam a subjugação feminina usando a Bíblia como justificativa. Penso que devemos fazer o já estamos fazendo, criar espaço de discussão, formação e capacitação de mulheres dentro de nossas Igrejas e nos movimentos ecumênicos e apoiar e incentivar os movimentos sociais de resistência e luta por direitos, dentre eles aqueles movimentos que buscam resguardar os direitos das mulheres e que fazem enfrentamento e prevenção à violência contra as mulheres e meninas. Neste sentido temos na IEAB o Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento (SADD) que é um importante instrumento de apoio no enfrentamento às desigualdades, principalmente às desigualdades de gênero.
 
6) Gostaria de acrescentar algo?
 
R: Sim. Eu gostaria ainda de dizer que a Diocese Anglicana da Amazônia é uma jovem Diocese, com uma área territorial extensa, mas a igreja ainda é pequena. Composta por um povo hospitaleiro, em uma região culturalmente riquíssima onde há muitas cores, cheiros e gostos que só se podem ser compreendidos estando lá. Uma região riquíssima, mas onde há muitas desigualdades sociais.
 
Certamente existem várias necessidades, anseios e preocupações e são inúmeros os desafios para a proclamação e vivência do evangelho na Região da Amazônia e para ser Igreja de Cristo, missionária, inculturada e profética no meio deste povo. Vejo como alguns destes desafios a necessidade de que a Igreja seja cada vez mais próxima da realidade onde está inserida, e que responda às necessidades deste povo tão sofrido. Que celebre conjuntamente no partir o pão, nas orações e nas relações. Que se fortaleça permanentemente na vivência comunitária, no desejo de aprender conjuntamente sobre o amor de Deus e que assuma o compromisso de partilhar esse amor no serviço às pessoas. Que seja verdadeiramente inclusiva e acolhedora, que testemunhe o direto à justiça e à dignidade humana, e que viva o ecumenismo.
 
Respeito e me sinto profundamente identificada com a forma como nosso povo anglicano vivencia a Igreja na Amazônia e sei que muito terei a aprender e crescer com eles e elas. E me disponho e sonhar com o povo da Amazônia e a com eles e elas caminhar lado a lado na construção permanente do Reinado de Deus para que se torne cada vez mais uma realidade.
 
CONIC com informações do portal ORM
Foto: Reprodução IEAB

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