Histórias, lendas e contos de uma
comunidade quilombola no município de Barcarena, no nordeste do Pará,
foram transformados em vídeos de animação no Trabalho de Conclusão de
Curso da professora Maria do Carmo Freitas, concluinte do curso de
Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Pará (UFPA),
por meio do Plano Nacional de Formação de Professores (Parfor).
A
família de Maria do Carmo é oriunda da comunidade quilombola Gibrié de
São Lourenço, na zona rural de Barcarena, onde ela atua como professora
da Educação Básica. Maria do Carmo conta que sempre teve a intenção de
trabalhar com a história e a cultura da comunidade.
"Estas narrativas, estas contações de
histórias que meu povo tem fazem parte da minha vida e do meu repertório
histórico e cultural, porque era uma cultura nossa sentar ao redor da
fogueira, enquanto os mais velhos contavam histórias à noite", diz a
professora.
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Linguagem contemporânea - A
iniciativa de apresentar o conhecimento tradicional de sua comunidade
em uma linguagem contemporânea como a animação foi elogiada pela
professora Ida Hamoy, coordenadora do curso de Artes Visuais no Parfor.
"É uma geração jovem que começa a perceber o quanto essas novas
tecnologias podem trazer de volta uma linguagem que talvez estivesse
esquecida", destaca Ida Hamoy.
Segundo a coordenadora, a retomada do
patrimônio cultural dos municípios é um dos objetivos trabalhados
durante as aulas do curso no Parfor. "Os alunos são instrumentalizados
para fazer esse mapeamento e devolver para a comunidade uma resposta de
tudo aquilo que foi recebido", explica.
Ida Hamoy também foi a orientadora do
trabalho de Maria do Carmo e celebra o impacto imediato que o Parfor
provoca, interferindo diretamente na educação dentro dos municípios que
recebem turmas do programa.
"O Parfor é uma intervenção imediata na
escola, porque os alunos do programa já são professores. Vários
trabalhos que desenvolvíamos em nossas disciplinas eram imediatamente
aplicados pela Maria do Carmo com as crianças aqui, do quilombo, e, no
semestre seguinte, ela já trazia os resultados", relembra Ida Hamoy.
Produção - Após
mapear as histórias entre os habitantes mais velhos da comunidade, a
professora Maria do Carmo optou por reproduzir os contos de visagem por
meio de narrativas gráficas. A ideia de transformar os contos em vídeos
de animação veio após entrar em contato com a técnica de stop-motion durante as aulas da disciplina Laboratório de Animação, ministradas pelo professor Márcio Lins de Carvalho.
"Sempre procurei aliar o que aprendia
dentro da Universidade com a minha prática pedagógica dentro de sala de
aula. Fui ressignificando minha prática à medida que eu ia absorvendo os
conhecimentos. Decidi contar essas histórias e convidar minha turma
para fazer esses vídeos", conta Maria do Carmo.
Para produzir as animações, formou uma
equipe de cinco alunos, que participaram com ela da coleta das
histórias, da elaboração dos roteiros, dos storyboards e dos cenários das animações, além de captarem todas as fotografias que compõem os vídeos animados em stop-motion.
Pedro Lucas, de 11 anos, foi um dos alunos que mais se empenharam na produção dos vídeos e chegou a instalar aplicativos de stop-motion
no telefone celular da mãe para produzir vídeos caseiros. "É importante
que muita gente fique sabendo das histórias. Se os idosos que contavam
essas histórias não contarem mais, elas vão morrer", diz o aluno.
Comunidade - Após
produzir os primeiros vídeos, a professora Maria do Carmo deu sequência
ao projeto, e mais alunos puderam participar. Atualmente, o canal da
professora no YouTube conta com oito vídeos produzidos em parceria com os alunos.
"Eu queria fazer com que eles (os
alunos) se apropriassem dessas histórias, dessas narrativas e passassem a
reproduzir. Acredito que tenham se apropriado, tanto da técnica (stop-motion) quanto dessas narrativas", conta a professora.
Uma prévia dos vídeos foi apresentada no
encontro de comunidades quilombolas de Barcarena, e a iniciativa foi
aprovada pelos moradores das comunidades. "Para nós, foi um ganho muito
grande e muito importante. Nossos contos estavam sendo todos perdidos,
pelo fato de não terem sido registrados", conta Mário Assunção,
coordenador da comunidade Gibrié de São Lourenço.
Os
vídeos de animação representam cenas que fizeram parte da vida de
moradores da comunidade, como a história da "Matinta Pereira que
assustava a Tia Carlota", moradora mais velha da comunidade. Ela garante
que a Matinta Pereira ainda transita à noite pela região, assoviando
pelas estradas de terra do quilombo.
Mara Ferreira é moradora da comunidade
quilombola e atua há 21 anos como professora na zona rural de Barcarena.
Ela passou a usar as animações em suas aulas. "É uma 'sementinha' —
cabe a eles, agora, passar pra frente. Se eu soubesse o tanto de riqueza
que havia naquelas histórias que meu avô contava, eu teria escrito ou
gravado", afirma a professora.
Para Osmarina Santos, de 80 anos, as
animações lhe permitiram relembrar a juventude. "Eu tinha uns 10 anos
quando tudo isso era contado, era visto: Matinta Pereira, Mãe do Mato,
Curupira. Fico pensando: ´Meu Deus! Será que isso é verdade?' Hoje
ninguém acredita mais em nada, é uma descrença que não tem tamanho. Mas
as minhas histórias são verídicas, isso aconteceu", diz dona Osmarina
Santos.
Armando Freitas, de 72 anos, também foi
um dos contadores de história do projeto e acredita que falar sobre os
encantamentos e as entidades da floresta é uma forma de repassar a
importância de respeitar a natureza. "É uma coisa para os adolescentes
entenderem qual a diferença do mundo de hoje para o mundo de
antigamente. As crianças aprenderem essas histórias é uma forma de
respeitar a natureza, porque a gente morre e a história fica", diz
Armando.
As histórias de visagem também encantam
os moradores mais novos da comunidade, como Maria Helena, de 7 anos.
"Agora, as histórias vão ficar famosas na internet e todo mundo vai
querer conhecer as pessoas que viram as visagens e contaram as
histórias. Se a gente não contar essas histórias, quem vai contar?",
pergunta Maria Helena.
Texto e fotos: Alexandre Nascimento – Assessoria ParforFonte: Portal da UFPA
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