Você conhece o ambicioso projeto da Petrobras para exploração de petróleo na Costa Amazônica? Movimentos sociais, organizações ambientais e institutos de pesquisa científica têm buscado dar visibilidade para os riscos deste empreendimento que pode afetar danosamente o meio ambiente e as comunidades que vivem nessa extensa região. O governo Lula está num dilema diante dos interesses da Petrobras e a resistência do Ibama.
Mapa da posição do bloco 59 da Petrobras. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA |
Petróleo na Amazônia
Não é de hoje que se busca petróleo na Amazônia. Na década de 1950, a Petrobras investiu pesado em equipamentos e profissionais estrangeiros. Inclusive chegou a encontrar em um poço em Nova Olinda/AM. Fato muito comemorado na época, mas que gerou frustração devido à baixa quantidade do produto para prospecção, o que o tornava comercialmente inviável.
José Mauro de Morais, na obra “Petróleo em águas profundas…” (2013), rememora o fato do jornal The New York Times dar a notícia da descoberta de petróleo na Amazônia como uma das maiores do mundo, perdendo apenas para o Oriente Médio. Ledo engano.
O que as empresas de petróleo desejam na Costa Amazônica?
As companhias Total (francesa) e BP
(britânica) iniciaram as tratativas para a obtenção de licença para perfuração
de poço em plena bacia de Foz (onde o rio deságua) do Amazonas. O Ibama negou o
pedido da Total, em 2018. Já o pedido da BP, após diversos descumprimentos, foi
transferido para sua sócia, a Petrobras, em 2020.
Conforme o relatório da consultoria CBIE,
com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do
Brasil - ANP, estima-se a extração de 1,1 milhão de barris por dia na região.
Na perspectiva do mercado, a exploração
mineral nesta faixa próxima à Linha do Equador, descentralizaria a geração de riquezas. “Além de aumentar a
produção brasileira de petróleo e gás, a exploração da margem equatorial
abriria uma nova importante fronteira de produção no país, hoje extremamente
concentrada na região sudeste, trazendo maior oportunidade de crescimento e
industrialização para a região norte e nordeste” (CBIE, 2023, p. 53).
Ameaça de vazamentos acidentais de óleo
Quando o Ibama negou a licença ambiental
para a Total, em dezembro de 2018, os movimentos sociais presentes nesta região
do país junto com organizações ambientais comemoram. Pois, além da pressão
social exercida sob órgão ambiental, havia uma grande
mobilização internacional
que constrangeu a empresa em não recorrer da decisão.
O Programa de
Estudos Costeiros do Museu Paraense Emílio Goeldi - PEC/MPEG - informa que a costa norte brasileira é
composta por uma série de bacias hidrográficas com características peculiares,
que compõem o grande estuário (transição entre rio e mar) amazônico. Nela estão
os maiores e mais preservados manguezais do mundo.
Em junho de 2021, 14 entidades
protocolaram um pedido no Ministério Público Federal para que este se manifestasse junto ao
Ibama pelo indeferimento das licenças para exploração de petrolífera na Costa Amazônica, diante dos potenciais
riscos de derramamento de óleo.
Argumentam que a Foz do Rio Amazonas é
singular no planeta. Representa o maior aporte de água continental nos oceanos
e a maior descarga de sedimentos em suspensão, despejando anualmente 17% do
total mundial. É o estuário amazônico, ambiente rico em manguezais, ambientes recifais, economias e culturas locais.
Soma-se o fato da confirmação recente de
presença de corais que se estendem do
Maranhão à Guiana Francesa, o que demanda aprofundamento de pesquisas.
Estudo publicado na revista científica “Frontiers in Marine Science” aponta que
nesses corais há complexidade e diversidade de habitats, com necessidade de
adoção de “medidas preventivas de conservação para proteger a região diante das
ameaças crescentes das práticas extrativas de petróleo e gás” (FRANCINI-FILHO,
2018).
Falta
de consulta às populações atingidas
Outra questão sensível é sobre os impactos
causados às populações locais. Embora trata-se da região de menor densidade
populacional do Brasil, com áreas de ocupação dispersas, há considerável
diversidade de comunidades tradicionais,
caboclos, ribeirinhos, quilombolas, pescadores, agricultores e indígenas.
O “Atlas de sensibilidade ambiental ao óleo
da Bacia Marítima da Foz do Amazonas” destaca que a “diversidade de atividades
deve ser considerada no planejamento de ações de contingência e resposta
emergencial a acidentes/danos ambientais. As principais atividades com
potencial risco de conflito com as atividades de exploração são a pesca –
artesanal e industrial - o turismo e as atividades industriais” (SANTOS;
MENDES; SILVEIRA, 2016, p. 28).
À vista disso, em setembro de 2022, as
unidades do Ministério Público Federal - MPF - no Pará e no Amapá acionaram o
Ibama e à Petrobras para as providências de suspensão de qualquer atividade de
perfuração marítima programada para a bacia da foz do Amazonas.
O MPF argumenta que a atividade vai impactar
quatro comunidades indígenas no Amapá e comunidades quilombolas e ribeirinhas
no Pará, mas não foi assegurado “o direito dos povos indígenas e comunidades
tradicionais de serem consultados, de forma PRÉVIA, LIVRE e INFORMADA” (MPF,
2022), antes de serem tomadas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente.
Dilema
para o governo Lula
Após os anos de governo Bolsonaro, que
reduziram as estratégias governamentais em defesa do meio ambiente e das
populações amazônicas, Lula se elegeu com agenda conservacionista recomendada
por setores das ciências e de organizações ambientalistas. Agora seu governo vê-se
num impasse entre os interesses da Petrobras, que inclusive já contava com a
exploração das reservas de petróleo e gás no seu planejamento estratégico, e do
dever do Ibama, que no final de abril de 2023 emitiu parecer técnico negando o
pedido.
Parece que são dois governos distintos. Por um lado, Petrobrás e Ministério de Minas e Energia reivindicam a autorização. Do outro lado, Ibama e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima afirmam que a negação está ampara por critério técnicos.
Alepa promove debate sobre a questão
A Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) realizou, sexta-feira passada (16/06), uma audiência pública para supostamente fomentar a discussão sobre a exploração de petróleo e gás na região pretendida pela Petrobrás.
Mas o que se viu foi um desfile de tecnocratas das universidades, da Petrobrás, da Fiepa, de entidades de classe e políticos defendendo a exploração de petróleo. Enquanto isso, com diminuto poder de fala e representação, organizações ambientalistas e comunidades tradicionais pediam para serem ouvidas.
A Costa Amazônica é centro de disputa. Mas, as decisões ocorrem distantes das populações afetadas.
Fontes
CBIE
Advisory. Relatório Especial Edição 008:
perspectivas para o setor energético em 2023 (Outlook 2023). Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/1VchotK6WqxkIvRAe3-pPK6tp05sAIFva/view>.
Acesso em: 08 maio de 2023.
FRANCINI-FILHO,
R.B. et al. Perspectives on the Great Amazon Reef: Extension, Biodiversity and
Threats. Frontiers in Marine Science,
v. 5, 2018. Disponível em: <http://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmars.2018.00142/full>.
Acesso em: 08 maio de 2023.
MORAIS, José
Mauro de. Petróleo em águas profundas:
uma história tecnológica da Petrobras na exploração e produção offshore.
Brasília: Ipea: Petrobras, 2013.
MPF. Recomendação Conjunta Nº 17/2022.
Disponível em: <https://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2022/recomendacao-conjunta-mpf-ap-pa-ibama-petrobras-suspensao-perfuracao-foz-amazonas.pdf>.
Acesso em: 08 maio de 2023.
SANTOS,
Valdenira F. dos; MENDES, Amilcar C; SILVEIRA, Odete F. M. da. Atlas de sensibilidade ambiental ao óleo da
Bacia Marítima da Foz do Amazonas. Macapá: IEPA, 2016.
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